sábado, 21 de agosto de 2021

Croton glandulosus:
Criatividade e Coevolução
Por Lucia Maria Paleari



Croton glandulosus
Criatividade e Coevolução

Por Lucia Maria Paleari
lmpaleari@gmail.com




Uma apetitosa novidade

Ao longo da evolução biológica das plantas surgiu uma importante estrutura relacionada ao processo de reprodução e perpetuação, que foi denominada semente. É ela que abriga o embrião , formado após a fertilização (união dos gametas feminino e masculino). Ao germinar, ele dará origem a um novo indivíduo da espécie. Essa novidade no reino das plantas está presente em dois grupos: o das coníferas (ex. pinheiro do ParanáGinkgo biloba) e o das plantas com flores.

Na maioria das espécies dotadas de flores, como Croton glandulosus, as sementes produzidas ficam abrigadas no ovário. Essa característica levou os botânicos a denominá-las angiospermas, que, de acordo com o número de cotilédones presentes nas sementes, são divididas em monocotiledôneas (ex. milhoarroz etc.) e em dicotiledôneas (amendoim, feijão etc.). 

Quando a planta mãe produz alimento e o reserva na semente para garantir a nutrição do seu embrião no início do crescimento, ela está também tornando esse alimento disponível a seres vivos consumidores. As sementes de C. glandulosus, por exemplo, podem ser atacadas por larvas do gorgulho Coelocephalapion sp, que consomem endosperma e embrião, inviabilizando o surgimento de uma nova planta.


Consumir e ser consumido: 
Um desafio à perpetuação das espécies

 As fêmeas de Coelocephalapion sp., que se alimentam de néctar e porções das folhas de C. glandulosus, ao encontrarem indivíduos dessa planta produzindo grande quantidade de sementes tendem a colocar muitos ovos, porque há recurso momentâneo suficiente para sustentar uma prole aumentada. Veja as sementes na figura a seguir, obtidas de frutos próximos à abertura (explosão balística), coletados para avaliar o grau de predação. Quase todas elas estavam predadas pelo gorgulho, em geral na fase de pupa (ex. setas brancas na imagem “A”). 



Na imagem anterior, do lado direito (B), há três sementes de um mesmo fruto. Uma delas íntegra e duas com os respectivos orifícios (OS) preparados pelas larvas do gorgulho, que depois disso se transformaram em pupas e finalmente em adultos, que saíram das sementes através desses orifícios, quando o fruto explodiu para dispersá-las. Considerando essa situação, imagine se esses gorgulhos filhos produzirem em média, quando adultos, o mesmo número de novos descendentes que os seus pais sobreviventes, ou colocarem ainda mais ovos diante de fartura momentânea de alimento. Provavelmente a população crescerá tanto, que poderá tornar o recurso escasso ou até mesmo esgotado. Como nesse caso o ataque é à semente, estrutura responsável pela próxima geração de C. glandulosus, o perigo é iminente e para as duas espécies.

Portanto, para a continuidade de espécies interatuantes, é condição que cada uma delas mantenha a respectiva população abaixo de certo limite máximo de crescimento. O uso de recursos precisa ser caracterizado por parcimônia, nunca pelo excesso e desperdício, observado o tempo de sua renovação, para que não seja levado ao esgotamento. Além dessa condição há pelo menos dois outros fatores importantes que restringem o crescimento exponencial de uma população: os seus concorrentes na exploração do mesmo recurso e os seus inimigos naturais.

Veja os exemplos, na figura a seguir, de alguns concorrentes do gorgulho na fase de larva. Nas imagens superiores (A-B) estão espécies que consomem as sementes a partir do ambiente externo, como a larva de uma mariposa da família Lycaenidae (A - indicada pela seta branca) e o adulto de uma espécie de gafanhoto (B).




No segundo grupo, consumindo o endosperma e o embrião no interior das sementes, estão larvas de duas espécies de vespinhas (C-D), e, como se vê na próxima figura, a larva do gorgulho (a). Todas essas 3 espécies iniciam o consumo pela parte inferior do endosperma, para onde elas se dirigem após a eclosão, aparentemente evitando o embrião, que é ingerido apenas quando as larvas estão mais desenvolvidas. 


Você deve ter notado, que a larva do gorgulho da fotografia anterior (a), em fase final de crescimento, aparece com uma larva de microhimenóptero (b) sobre o corpo, que nada mais é do que a fase jovem de uma vespinha parasitoide, que a estava consumindo e causou-lhe a morte. Esse e outros inimigos naturais (ex. predadores) e patógenos (ex. fungos, vírus), acometendo os predadores de sementes em alguma fase da vida (ovo, larva, pupa e adulto), também podem reduzir-lhes as populações e, indiretamente, favorecer Croton glandulosus.


Dinâmica de vida criativa 

Considerando que força e competição não são garantia de sucesso e nem de bem-estar, aprender a partilhar recursos, regular o tamanho da prole para evitar o esgotamento dele e se esquivar de inimigos naturais são providências básicas capazes de aumentar as chances de sobrevivência dos indivíduos e de perpetuação das suas espécies. Além disso, o sucesso depende, em grande medida, do desenvolvimento da criatividade, que possibilitará elaborar e reelaborar estratégias de proteção ou estratégias que permitam partilha dos recursos e colaboração recíproca.

Dê uma olhadela na palmeira exótica, Livistona chinensis, da próxima figura. 



Ela produz coquinhos cinza escuro, que vemos no cacho onde uns poucos deles mostram a cor laranja interna, que fica evidente após terem sido atacados por aves nada exóticas, dentre elas sabiás, tucanos e bem-te-vis.

Pode não ser o seu caso, mas algumas pessoas que olharam essa foto não se deram conta da simpática avezinha, que depois de pegar um fruto no cacho para comer, alojou-se estrategicamente à frente da folha, onde permaneceu camuflada enquanto se alimentava. Caso você também não a tenha visto, olhe com mais vagar para o lado esquerdo da fotografia, entre a folha da palmeira e o cacho com os frutos. Nesse local está o periquitinho Brotogeris sp., que pode chegar em bandos ruidosos, toda vez que a palmeira está com cachos abarrotados de frutos maduros, em geral no período de outono-inverno.

Como as pessoas que não perceberam o periquitinho camuflado, imagine um predador que também não consiga detectá-lo. É óbvio que esse predador não o atacará, deixando o periquitinho vivo em condições de se reproduzir. No entanto, se o seu inimigo natural desenvolver capacidade de detectá-lo com certa facilidade, essa camuflagem poderá ter pouca ou nenhuma serventia. Neste caso, será preciso que Brotogeris sp. elabore uma contraestratégia.

A essa dinâmica de uma espécie desenvolver determinada contraestratégia, em resposta a uma estratégia mais vantajosa da outra espécie, é o que ficou conhecido por coevolução: Coparticipantes de um processo, que ao longo do tempo evoluem de forma conjunta e recíproca e se adaptam, em resposta a determinadas pressões de uns sobre os outros e de seus ambientes.


Sob ameaça foge...
quem se arrasta,
quem tem pernas,
quem tem asas.

 Se assim for, quem vive plantado ou confinado suspira encurralado?

As pessoas em geral pensam que plantas e espécies como a do gorgulho, cujas larvas ficam confinadas dentro das sementes, não têm escapatória quando são ameaçadas por inimigos naturais. Talvez possa parecer assim, quando a vista e o conhecimento pouco alcançam, quando eles não vão além do indivíduo interpretado de forma individualizada, destacado do sistema em que está inserido.

Em plantas, por exemplo, foi-se o tempo em que elas eram vistas como seres incapazes de reagir e de protegerem-se de ataques, por estarem enraizadas no solo. Hoje sabemos que elas são capazes, como todo ser vivo, de desenvolver estratégias particulares de proteção, de recuperação de tecidos a ataques sofridos e também de comunicação, enviando e recebendo nutrientes e informações químicas por meio de rede simbiótica com fungos. Esses processos interessantes podem ser visualizados na representação a seguir.



Plantas comumente produzem pelos e espinhos que dificultam ataques, podem antecipar ou retardar o desenvolvimento com relação ao de espécies de herbívoros e podem até mesmo produzir tecidos que atraem e suprem o agressor desviando-o das suas estruturas nobres, como as reprodutivas. Além disso, as plantas também podem produzir substâncias antimicrobianas, substâncias atrativas, repelentes, tóxicas ou de alarme, que atuam na defesa do indivíduo ou da população. Essas estratégias revelam a capacidade criativa de agir das plantas para evitar herbivoria.

É claro que todas as explicações que temos para fenômenos do mundo surgem de interpretações humanas, porém é preciso considerar que em estudos científicos elas resultam de observações e testes realizados e não de achismos ou chutes a esmo. Recentemente as compreensões que alcançamos a respeito das plantas e da vida em geral são mais sensíveis e especialmente importantes, porque concebem as espécies em suas interações, dinâmica de coexistência e evolução menos influenciadas pela maneira dominadora de agir do ser humano, que tem erroneamente entendido a Natureza como se dela não fizesse parte, como se ela fosse um bem para seu uso e controle. Passou-se, portanto, a assumir que a vida é criativa, que os seres vivos atuam de maneira perspicaz e construtiva, independentemente de atributo intelectual como o nosso, que é responsável pela edificação da ciência e tecnologia. Inegavelmente os avanços nessas duas áreas nos têm permitido compreender muita coisa sobre a Natureza, mas também de interferir profunda e destrutivamente nas suas redes de interações, colocando em risco a própria existência humana.

De forma produtiva, equipamentos tecnológicos sofisticados, por exemplo, ajudaram a detectar substâncias, a ver mais detalhadamente estruturas e a entender como acontecem certas interações, em particular no mundo microscópico de células e de substâncias especialmente produzidas para neutralizar invasores ou bloquear-lhes a ação, como forma de manter a integridade do sistema em questão. No caso humano, um dos muitos exemplos é o das células e anticorpos do sistema imunológico que destroem até mesmo as células do próprio corpo, quando estas se desviam de suas funções, como as cancerígenas. Em larvas e adultos de insetos a defesa contra invasores pode acontecer por meio de certas células (hematócitos) e de substâncias que fazem parte da hemolinfa que circula pelos seus corpos. Isso significa que até mesmo uma larva confinada em uma semente, como a do gorgulho, poderia ser capaz de se defender de um parasita interno, isto é, que penetra o corpo do hospedeiro (= endoparasita ou, no caso de insetos, endoparasitoides).

Esses processos são interessantes, variam em diferentes espécies e não implicam 100% de eficácia na proteção, inclusive porque parasitas e predadores, assim como seus hospedeiros e suas presas, também desenvolvem estratégias para garantir a continuidade de suas espécies. Basta rever a larva do gorgulho mostrada anteriormente dentro da semente, onde supostamente ela estaria protegida ao explorar o recurso alimentar, mas apareceu sustentando uma larva ectoparasitoide sobre o seu corpo, que se alimentou dela. Essa larva do gorgulho parasitada é consequência de eventos como os que foram documentados na próxima figura. Nela as duas espécies de ectoparasitoides (colunas “A” e “B”), provavelmente seguindo pistas químicas (ex. substâncias voláteis), físicas (ex. vibrações, marcas) ou ambas, encontraram os frutos e neles sementes atacadas por larvas do gorgulho. 



Na coluna à esquerda (A), a vespinha ectoparasitoide, Phyloxeroxenus sp., depois de encontrar a planta, detectou nela um fruto desenvolvido com duas manchas circulares escuras (setas pretas). Em seguida dirigiu-se para a mancha da direita (imagem superior), onde introduziu o ovipositor no orifício que há no centro dela (imagem inferior). Tal orifício, que acompanha manchas escuras desse tipo, é feito pela fêmea do gorgulho com o aparelho bucal, quando o fruto é jovem, ainda verde e tenro como as sementes, que nessa fase não endureceram a testa (camada mais externa). Por esse orifício a fêmea do gorgulho introduz o seu ovo, do qual a larva eclode e penetra a semente, onde permanecerá consumindo o endosperma e na fase final também o embrião.

Nas imagens da coluna à direita (B), está outra espécie de ectoparasitoide, Semiotellus sp.. Essa fêmea, após encontrar um fruto crescido tamborila com as antenas sobre a superfície dele (imagem superior), provavelmente para descobrir quais sementes estão sendo cavadas por larvas do gorgulho. Em seguida, ela introduz o ovipositor em local íntegro (imagem inferior), para deixar seu ovo. Frutos como esses, depois de maduros podem apresentar as sementes como as que estão próxima figura. Nas imagens da linha superior (A), elas estão mostrando a face externa, que fica voltada para o lado de fora do fruto, e nas imagens da linha inferior (B), elas exibem a face interna, que fica voltada para dentro do fruto.



Note nessa figura, que cada uma das duas sementes da direita apresenta na face externa (A) um orifício na base (1), resultado da oviposição de uma ou de duas fêmeas do gorgulho. Na face interna das mesmas duas sementes, parte inferior (B), veja que há grandes aberturas medianas e circulares (2). Estas aberturas testemunham o trabalho realizado pelas larvas do gorgulho, embora o que se possa ver através delas, sejam os abdomes (3) de duas pupas de vespinhas ectoparasitoides, cujas cabeças estão voltadas para a região da carúncula da semente (c).

Observe também, na imagem anterior, outra característica que cada semente possui na face interna (B) e que está mais evidente na semente da esquerda. Existem duas superfícies chanfradas, uma à direita e outra à esquerda da linha central mais elevada. Por causa dessa conformação e da convexidade da superfície externa, quando justapostas dentro de suas ocas as sementes compõem um fruto globoso. Nele, toda larva do gorgulho que estiver predando uma semente, cavará um orifício de saída (2) em uma das duas superfícies internas chanfradas, para utilizá-lo na fase adulta. Mas como essa superfície fica dentro da oca, cuja parede se justapõe à parede de outra oca vizinha, o gorgulho adulto ficará impedido de sair e de se dispersar, a menos que o fruto se abra por meio da explosão balística e libere as sementes. Se por alguma razão o fruto não se abrir o besouro adulto morrerá confinado e se o fruto se abrir antes que o besouro tenha se transformado em adulto, este dificilmente sobreviverá no campo, devido à desidratação e predação. Por isso, a sincronia que se registra entre os desenvolvimentos do gorgulho e do fruto é fundamental, o que inclui a decisão da fêmea sobre idade adequada do fruto, que escolherá para ovipor. As vespinhas ectoparasitoides, por sua vez, não dependem da abertura do fruto para se dispersarem. No momento de voar e iniciar a reprodução, são as próprias vespinhas adultas que cavam seus orifícios de saída na face externa das respectivas sementes e ocas dos frutos onde se encontram. Na próxima figura é possível ver exemplos desses orifícios, sendo que nas duas sementes do fruto à esquerda emergiram Semiotellus sp. (a) e Phyloxeroxenus sp. (b).


É evidente que o gorgulho desenvolveu estratégias especiais para detectar C. glandulosus e colocar seus ovos no interior das sementes, proporcionando rica fonte de alimento e certa proteção para suas larvas. Mas, em contrapartida, os ectoparasitoides também desenvolveram sofisticada capacidade de detecção da planta e das sementes contendo larvas do gorgulho em condições de serem parasitadas. Sendo assim, o sucesso de cada larva do gorgulho representa um correspondente insucesso de C. glandulosus, porque cada semente predada deixará de germinar e de originar uma planta descendente. No entanto, embora o sucesso de um ectoparasitoide não proteja a semente que recebeu a larva do gorgulho, ele corresponderá ao insucesso do gorgulho, portanto, um gorgulho adulto a menos a se reproduzir na próxima geração e, consequentemente, proteção indireta a C. glandulosus. Lembrando que os adultos desses ectoparasitoides são atraídos pelo néctar de C. glandulosus, do qual se alimentam, é razoável supor que investir em nectários e suas secreções poderia fazer parte de uma estratégia vantajosa desenvolvida pela planta, que a levaria à redução de perdas por herbivoria.

Mas, como ficam as larvas do gorgulho? Encurraladas e, dessa forma, fadadas à morte, comprometendo as gerações futuras de sua espécie?

Se a sobrevivência dessa espécie se resumisse a tal situação, a nossa concepção sobre a criatividade da vida, levando as espécies a coevoluírem de maneira a aumentar as suas chances de perpetuação, estaria comprometida. E esse não foi o caso do pequenino besouro Coelocephalapion sp. As investigações realizadas permitiram reunir dados importantes, que revelaram a beleza e a engenhosidade presentes nas interações das quais esse gorgulho faz parte e que, provavelmente, são responsáveis pelo seu sucesso, mesmo tendo larvas reclusas nas sementes de C. glandulosus, sem poder fugir quando atacadas por parasitoides e predadores. Para demonstrar como esse sucesso pode ser alcançado, é preciso lançar olhar mais amplo sobre os personagens envolvidos nesse sistema. Inicialmente, seguem alguns fatos marcantes e pertinentes sobre seus comportamentos.


Temperando um pouco mais a história

Veja a imagem a seguir. Tamanho malabarismo da pequena formiga tem uma razão: colocar o gorgulho, preso pela perna com suas mandíbulas no momento da foto, fora de C. glandulosus.


E — acredite! — foi o que aconteceu poucos minutos depois. Essa formiga, Crematogaster sp., é uma das diversas espécies que transitam por Croton glandulosus em busca de néctar em nectários das folhas jovens situadas nos ramos mais novos, onde ficam as flores masculinas nas extremidades, com seus nectários florais.

Agora veja as espécies a seguir. Todas elas alimentam-se de néctar, que é um recurso muito procurado por mais de 200 espécies, que se associaram a C. glandulosus.


  


A joaninha (A) é representante dos predadores de herbívoros, no caso pulgões sugadores da seiva. As vespinhas (B-E) são parasitoides, com destaque para os dois ectoparasitoides do gorgulho (C-D), que entre uma oviposição e outra se deslocam para nectários florais e extraflorais próximos, onde se alimentam. Na imagem final (F), a formiguinha obtendo néctar é também Crematogaster sp., como aquela fotografada na imagem anterior prendendo a perna do gorgulho com as mandíbulas, antes de colocá-lo para fora da planta. Essas e outras espécies que usam néctar formam um verdadeiro escudo protetor para Croton glandulosus, contra herbívoros que lhe causam danos.

Considerando que quanto mais se aprofundam os estudos mais evidências são encontradas sobre a capacidade dos seres vivos de promoverem mudanças estruturais, fisiológicas e comportamentais que aumentam a adaptação, é plausível supor que mesmo gastando bastante energia para produzir as diversas substâncias em suas estruturas secretoras, que C. glandulosus seria recompensada com proteção contra herbívoros, ao atrair e alimentar os inimigos naturais deles.

 
Para o gorgulho um dilema:
Aumentar prole ou reduzir-lhe os perigos?

Observe, na imagem a seguir, o ramo em primeiro plano de Croton glandulosus.

 


Note que no interior do círculo 1 há um fruto (t). Ele foi denominado tardio, porque começou a se desenvolver após as primícias da sua inflorescência e simultaneamente ao desenvolvimento das primícias (p) do nível seguinte (2). Portanto, ele se desenvolveu após a dispersão das sementes das primícias do seu nível (1), quando os 3 ramos mais novos (a, b, c) do nível seguinte já tinham crescido e emitido suas respectivas inflorescências nas extremidades. Nessa fase, cada um dos 3 ramos mais novos apresenta normalmente o que está exemplificado no interior do círculo 2 do ramo “c”: flores masculinas (fm) com nectários ativos produzindo néctar, sob elas os frutos das primícias (p), aproximadamente na mesma fase de crescimento em que se encontra o fruto tardio (t) do nível anterior (círculo 1) e folhas jovens (fj) com nectários extraflorais ativos.

A segunda constatação refere-se ao fruto tardio, que nem sempre vinga, mas quando isso acontece é comum encontrá-lo com sinal de oviposição feito por fêmea do gorgulho. Tão comum que deu a impressão da oviposição acontecer mais nesse tipo de fruto do que naqueles das primícias. Mas essa impressão causou estranheza, porque frutos tardios representam pouco recurso alimentar (em geral 2 ou 3 sementes, em um fruto), se comparados aos das primícias (em geral 12 a 18 sementes, em 4 ou 6 frutos).

Se for mesmo assim, qual seria a razão das fêmeas do gorgulho procurarem preferencialmente os frutos tardios, que representam pouco recurso alimentar?

Em busca de uma hipótese para essa suposta preferência das fêmeas do gorgulho por frutos tardios para ovipor, alguns outros fatos reunidos poderiam dar sentido à história. Um deles tem a ver com o último nível dos ramos de C. glandulosus, destacado no círculo 2 da imagem anterior. Nesse local se concentra a produção de néctar e os artrópodos visitantes, muitos deles, como já visto, parasitoides e predadores dos herbívoros. Como isso não acontece no nível anterior dos ramos, onde não há mais flores e as folhas maduras não têm nectários produtivos, larvas do gorgulho nascidas em frutos tardios tendem a ficam menos expostas aos seus ectoparasitoides e as fêmeas a ficarem sem constante importunação de formigas e moscas, no momento de ovipor ali.

Se assim for, a possível estratégia das fêmeas de distribuir os ovos entre os frutos das primícias e os tardios, com preferência para estes, aumentaria a chance de sobrevivência das larvas e, consequentemente, de continuidade da espécie.

Essas hipóteses parecem explicar bem os fatos, mas elas só poderão ser aceitas como explicações plausíveis se comprovadas por meio de testes científicos. Sendo assim, o desafio está posto. Mas antes de partir para os testes, observe o ramo de Croton glandulosus na imagem a seguir.


 


Note as primícias (p) na extremidade do ramo, com frutos maduros em fase de dispersar as sementes, fase esta que é a mesma do fruto tardio (t) no nível anterior. Note também que esse fruto tardio exibe um orifício circular (pa), que, neste caso, corresponde à saída de uma fêmea parasitoide, após longo ritual pré-nupcial. Essa situação nos mostra que larvas predando sementes dos frutos tardios não estão 100% seguras, dado que as vespinhas parasitoides podem encontrá-las nesses frutos também. Mas, mesmo assim, é possível que as larvas do gorgulho em sementes de frutos tardios sejam proporcionalmente menos atacadas por inimigos naturais, do que em sementes de primícias. Se assim for, ovipor mais em frutos tardios pode ser uma estratégia vantajosa para a espécie do gorgulho.

Enfim, será que gastar energia produzindo tantas estruturas secretoras, principalmente os nectários e seus produtos, poderia ser comprovadamente uma estratégia de C. glandulosus para evitar danos excessivos a partes nobres como as sementes e estruturas fotossintetizantes?

E mais, será que o gorgulho, sujeito a essas condições, teria desenvolvido como contraestratégia a colocação de ovos preferencialmente em frutos tardios?

Essas possíveis explicações são tão interessantes e desafiadoras, que mesmo com certas dificuldades práticas, inclusive para identificação taxonômica de todas as espécies predadoras internas de sementes de C. glandulosus e de seus parasitoides, alguns testes foram planejados e conduzidos no campo para verificar se tais explicações podem ser aceitas ou devem ser rejeitadas.

 Se você ficou curioso sobre as investigações, poderá avançar até os próximos posts para conhecer os  fundamentos e os  resultados.


Para saber mais

ECOVIRTUAL. Taxas de crescimento e função exponencial. Disponível em: http://ecovirtual.ib.usp.br/doku.php?id=ecovirt:roteiro:math:exponencial. Acesso em: Nov. 2019.

ECOVIRTUAL. Dinâmica populacional denso-independente. Disponível em: http://ecovirtual.ib.usp.br/doku.php?id=ecovirt:roteiro:den_ind:di_rcmdr. Acesso em: Nov. 2019.

NOBRE, D. A. Um novo olhar sobre a vida na Terra. Disponível em: https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=wm&pli=1#inbox/FMfcgxwKkHdvzwjFhxDjrgFKhZrttRhV?projector=1. Acesso em Dez. 2020.

PALEARI, L. M. Cantoria e História, de Flores que Viraram Frutos e Gulodices. Disponível em: http://luciamariapaleari.blogspot.com/2020/12/cantoria-e-historia-de-flores-que.html. Acesso em: Dez. 2020.

 

Lucia Maria Paleari
lmpaleari@gmail.com


quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

BIOENCANTATA
Festival de miudezas e exuberância
em Croton glandulosus
Por Lucia Maria Paleari

 


BIOENCANTATA

Festival de miudezas e exuberância

em Croton glandulosus

 

Por Lucia Maria Paleari

lmpaleari@gmail.com

                                                                                                              

A doce presença

Observe a figura a seguir. Note duas estruturas especiais no ápice do pecíolo central, uma das quais, à direita, com uma gota de néctar preenchendo a superfície circular, cujo diâmetro é de aproximadamente 0,64 mm (640 μm). Esses são nectários extraflorais, que se mantêm em atividade secretora nas folhas mais jovens de Croton glandulosus, situadas próximas às inflorescências durante a antese.



Esse néctar é dotado de três açucares combinados em aproximadamente 71,49% de frutose e 9,33% glicose, que são açucares simples ou monossacarídeos, e 19,18% de sacarose, que é um dissacarídeos, composto pela frutose ligada quimicamente à glicose. Podendo conter também óleo, proteína e substâncias voláteis, ele atrai e alimenta pelo menos duas centenas de insetos e algumas aranhas. Mas quando no campo há muita sequidão, os insetos se afastam, porque o líquido açucarado se desidrata e vira um tipo de bala puxa-puxa. Essa situação, imprevisível e esporádica, difere da corriqueira ausência de visitantes em nectários de folhas maduras, porque estes cessam a atividade secretora. Contudo, quando isso acontece, já cresceram novos ramos com suas folhas jovens. E como na extremidade de cada novo ramo as inflorescências surgem rapidamente, em poucos dias as flores masculinas se abrem destacando-se no ápice do eixo. Delicadas e de cor branca, elas têm aproximadamente 4 mm de diâmetro e 5 nectários na base (setas pretas na figura a seguir).



São elas as grandes responsáveis pela presença de incontáveis abelhas, além de moscas e besouros, e não apenas pelos cinco nectários ativos, mas também devido às anteras, cujo pólen, rico em proteínas e sais minerais, atrai também vespas e lacerdinhas (= trips).

Surpreendente é a mosca nectarívora a seguir, Poecilognathus sp., ao se alimentar de pólen em flores de C. glandulosus (A) e de Euphorbia heterofila (B), dada a rapidez e destreza com que movimenta as duas pernas anteriores para coletar os grãos e levá-los à extremidade do seu longo aparelho bucal. Repare nos rastros entre a antera e a perna dianteira esquerda da mosca (B), resultado da grande velocidade com que ela retirou o pólen e o levou ao seu aparelho bucal.



É provável que as flores femininas de C. glandulosus também possuam nectários. Observe a próxima figura e atente para o aparelho bucal da mosca, introduzido na base de uma flor feminina.




Visitantes como essa pequena mosca foram responsáveis pela suspeita de que ali haveria nectários, como acontece com Croton sarcopetalus. Nesta espécie eles são de dois tipos: internos, que seriam semelhantes aos nectários das flores masculinas, e os externos, que funcionariam como nectários pós-florais, isto é, ativos durante o amadurecimento do fruto.


Uma belezura!

Minúscula e alaranjada, uma estrutura que aparece às dezenas adornando as inflorescências com extrema delicadeza. São como purungas adornando as brácteas e os receptáculos, e conhecida dos botânicos por coléteres. Observe como são eles (um mais ampliado na parte superior direita da imagem) e note a cor âmbar da resina secretada por alguns deles (seta branca).



Ainda não se conhece a composição dessa resina, mas diversas espécies de himenópteros, com destaque para as abelhinhas nativas sem ferrão, costumam visitar as inflorescências e parecem acessar esse recurso. No geral, as resinas são utilizadas por abelhas na construção e reparo das colmeias, na produção de hormônio sexual e na assepsia, devido ao poder antifúngico e antibacteriano de substâncias presentes. O fato de elas serem pegajosas possibilita seu uso na defesa dos ninhos imobilizando invasores como formigas e abelhas cleptobióticas (roubadoras de mel, pólen e cera). No caso das abelhinhas sem ferrão as substâncias resinosas e balsâmicas, após serem acrescidas de secreções e terra (ou barro), são transformadas no que se conhece por geoprópolis, material usado na vedação dos ninhos. A geoprópolis tem sido estudada devido ao seu potencial medicamentoso contra bactérias, inflamações, dores etc.

Surpreendente foi observar cenas como as que se seguem. Veja que interessantes!



Esses lacerdinhas foram flagrados transitando pelos coléteres em comportamentos e posições que levaram à suspeição de que poderiam fazer algum uso da resina. Ainda é preciso comprovar a suspeita, até mesmo porque não foi encontrado nenhum estudo científico relatando a existência de alguma espécie de lacerdinha associada ao uso de resina. Moscas também foram flagradas nessas estruturas, como se pode ver na próxima imagem, mas também neste caso não se sabe se de fato elas fazem uso da resina e com que propósito.



Enfim, estudos sobre essa secreção resinosa nas áreas biológica, ecológica e química, podem resultar em conhecimentos valorosos para nossa melhor compreensão da Natureza. Conhecimentos para além daquela perspectiva quase sempre única, míope e disseminada, de pessoas que almejam a qualquer custo, apenas produtos materiais para uso e benefício dos humanos. Pessoas que agem como se a Natureza estivesse ao nosso dispor com os tais “serviços ecossistêmicos” que, explorados à exaustão, em geral auferem lucro vultoso a poucos, assegurado pelo comportamento consumista tresloucado da maioria da população.


Proteção e adorno

Observe a figura a seguir e repare nos ramos, pecíolos e superfícies das folhas de Croton glandulosus. Eles parecem estar agasalhados por pelos, que são tricomas estrelados e simples. Na região central dos tricomas estrelados pode-se detectar uma estrutura globosa de cor rosa claro (setas brancas). Ela é visitada principalmente por moscas, alguns besouros e microhimenópteros, que nos dão a impressão de coletar ali algum recurso.

 


Também de cor rosa, duas glândulas em formato de garrafinhas se destacam na parte central do ápice do pecíolo (setas pretas na imagem “E”).

Garrafinhas cor-de-rosa semelhantes a estas também podem ser encontradas na margem serrilhada das folhas jovens (próxima figura – setas brancas), enquanto na superfície da lâmina foliar há muitas estruturas diferenciadas (setas pretas), que costumam ser visitadas por insetos, principalmente moscas, que apenas tocam a superfície com as peças bucais, diferente de percevejos tingitídeos, que extraem o conteúdo das células de toda a região em que se alimentam, enquanto larvas de borboletas e besouros, como o gorgulho da foto, acabam por ingeri-las junto com o restante do tecido.



 

Uma justa homenagem

Considerando as muitas glândulas apresentadas até aqui, é possível verificar que não foi nem à toa ou por acaso, mas muito apropriadamente, que essa espécie de euforbiácea do gênero Croton recebeu o epíteto específico glandulosus, passando a ser registrada e reconhecida como Croton glandulosus.

Enquanto algumas pessoas atribuem à grande generosidade de C. glandulosus, produzir e secretar tantas substâncias úteis a artrópodos, outras entendem que visando principalmente às espécies de parasitoides, predadores e afugentadores de herbívoros, a planta nada mais faz do que atraí-las e recompensá-las pela proteção dispensada. Mas fato é, que diversos herbívoros consumidores de estruturas nobres de C. glandulosus, como sementes e folhas, quando adultos também se alimentam de néctar. No entanto, se os inimigos naturais desses herbívoros reduzirem suas populações ao ponto de impedirem que comprometam demais a sobrevivência e a capacidade de perpetuação de C. glandulosus, o esforço da euforbiácea, produzindo e disponibilizando as secreções, teria compensado.


 Caras, cores e comportamentos notáveis!

 Veja a variedade de dípteros visitantes de Croton glandulosus.         

 


Moscas avantajadas, mosquinhas delicadas, outras tão pequeninas que mesmo com lente de aumento são difíceis de serem observadas. Às vezes com gotas de néctar na boca, noutras colhendo pólen ou pastando sobre os pelos dos ramos, glândulas do limbo e margens das folhas. Há também aquelas que predam insetos visitantes, enquanto outras depositam seus ovos sobre herbívoros adultos e jovens, que serão consumidos aos poucos por suas larvas.

E o que dizer do minúsculo pernilongo, da família Ceratopogonidae, cujos instantâneos a seguir mostram-no sorvendo uma gota de néctar?



Para ter-se ideia do tamanho desse díptero, basta lembrar que o diâmetro da superfície do nectário onde ele se alimenta é de aproximadamente 640 μm. Sendo 1 μm equivalente a 10-3 mm (ou 0,001 mm) podemos dizer que esse pernilonguinho tem aproximadamente 1,4 mm de comprimento.   

Os próximos retratos mostram os besouros encontrados em C. glandulosus, que como os dípteros consomem principalmente néctar, mas mais do que aqueles diversas espécies acrescentam proteína à dieta consumindo pólen. Além desses há os que preferem comer folhas e nervuras, sem contar as larvas e adultos de coccinelídeos, conhecidos pelo hábito predador da maioria, que no outono aproveitam para pastar o fungo Golovinomyces sp, que cresce e recobre folhas, ramos e frutos da euforbiácea.



Falta mencionar o já conhecido gorgulho, consumidor de néctar e de pequenas porções de folha, mas que quando larva se farta do endosperma da semente, e duas outras espécies incomuns que têm preferência por atacar ramos.

Nas tabelas a seguir um esforço para listar as espécies de moscas (ordens Diptera) e besouros (ordem Coleoptera) obsevados no campo, com indicação dos respectivos números de registros, quando impossível o reconhecimento da espécie (ou família).   



Se esses dois grupos já chamam a atenção pela variedade de espécies, surpreende ainda mais o dos himenópteros. São tantos os seus representantes, que precisaram ser divididos em três subgrupos para facilitar a apresentação. Comecemos com as abelhas e as vespas, que foram reunidas na figura a seguir.  As primeiras consumidoras de néctar, pólen e resina, e as segundas, em geral predadoras, mas também disputando néctar.



O segundo subgrupo de himenópteros, apresentados na próxima figura, é composto por espécies diminutas, razão de serem conhecidas por microhimenópteros. Consumidores de néctar quando adultos, grande parte deles parasita outros insetos quando larvas, mas há também espécies predadoras de sementes ou galhadoras. Poucos puderam ser identificados, e sabe-se que diversas espécies estão sendo rearranjadas nos respectivos grupos taxonômicos ou precisam ser descritas. Os microhimenópteros mais estudados são principalmente os parasitoides de herbívoros que se alimentam de plantas cultivadas e são utilizados em programas de controle biológico. Depois de criados em massa em laboratório, são soltos nas lavouras para reduzir as populações dos herbívoros e, dessa forma, proteger as plantações.



Na próxima figura veja as formigas, que são presença constante em C. glandulosus e nos seus arredores.



Transitando incessantemente em busca do néctar, diversas espécies protegem a planta ao afugentar herbívoros que encontram pelo caminho. Contudo, há herbívoros que são protegidos, como os pulgões, que liberam honeydew (= melada) para certas formigas, depois de estimulados por elas com suas antenas. Benefício mútuo como esse, estabeleceu-se entre algumas formigas e larvas mirmecófila família Lycaenidae, uma das quais consumidora de sementes de C. glandulosus.

E as incríveis formiguinhas dispersoras de sementes por vezes consumidoras de néctar? Mesmo aos tropeços, carregam para seus ninhos as sementes, via de regra dezenas de vezes maiores do que elas, para conseguir a carúncula, estrutura rica em nutriente. 

As inúmeras espécies que encontram em C. glandulosus boas condições e recursos alimentares não param por aí. A próxima figura retrata o grupo dos hemípteros.

Eles não se destacam apenas pela variedade de formas, tamanhos e padrões de cores. Destacam-se também pelo grande número de espécies, que integram os grupos taxonômicos dos percevejos, das cigarrinhas, dos pulgões e dos membracídeos. A maioria deles é sugadora de seiva, mas diversas espécies acrescentam néctar floral e extrafloral à alimentação, como o fazem também algumas conhecidas pelo hábito predador.



Agora veja o que revela próxima figura: o minúsculo percevejo, Orius sp., flagrado em pleno banquete depois de apreender um jovem lacerdinha.



Observe que no início a sua presa está aparentemente inteira na extremidade do tubo sugador (A). Após o conteúdo do corpo do lacerdinha ter sido sugado o que se vê dentro dele, através do seu revestimento externo (tegumento), é o tubo sugador do hemíptero (B). Por ser predador eficiente de lacerdinha, que costuma causar sérios danos a plantas de valor econômico, esse pequenino hemíptero passou a ser estudado e usado em programas de controle biológico.

As espécies desses dois grandes grupos, dos himenópteros e dos hemípteros, associadas a C. glandulosus estão listadas nas tabelas a seguir.



E como não poderia deixar de ser, borboletas e mariposas foram também observadas em C. glandulosus e são retratadas a seguir.



Trata-se de um grupo bem mais modesto do que os que foram apresentados anteriormente, no entanto, não menos interessante. Comedoras de folhas e frutos na fase de larva, elas em geral consomem néctar floral quando adultas.

Na figura anterior (imagem superior esquerda) pode-se ver ao lado dos frutos a larva verde de um licenídeo, consumidora de sementes, e o seu adulto de cor negra na ponta da seta branca. Logo abaixo, há duas larvas da família Geometridae, conhecidas popularmente por mede palmos, por causa do movimento que fazem com o corpo ao caminhar. Mais abaixo, uma sequência de fotos mostra o crescimento da larva listrada, Viola sp. Depois de totalmente desenvolvida, a larva se enrola em uma folha cujas margens ela une com fio de seda. Dentro desse cartucho ocorre a sua transformação em pupa (à direita da seta), que aí permanece até emergir o adulto de cor preta, indicado pela seta que está acima da pupa. Uma espécie ainda mais curiosa, apresentada no post (item “Descobertas deveras interessantes”), também foi encontrada uma única vez, e não se sabe se por camuflar-se muito bem e passar desapercebida, com botões florais e pequenas folhas misteriosamente presos ao corpo ou simplesmente por ser rara. Na fase adulta a pequena borboleta, também da família Lycaenidae, consumiu néctar floral.

A seguir, são apresentados os grupos de herbívoros com o menor número de espécies registradas em associação com C. glandulosus. São eles os gafanhotos (A - Orthoptera), os crisopídeos de asas transparentes (B - Neuroptera) e os lacerdinhas ou trips (C - Thysanoptera).



Os ortópteros são consumidores de folhas, flores, frutos e caule (A), enquanto os crisopídeos, que costumam consumir néctar, por vezes servem de presa a aranhas (B). Associados principalmente às inflorescências encontram-se os lacerdinhas (C 1 e 3), que consomem néctar e pólen nas flores masculinas. No eixo das inflorescências (C 2), como visto anteriormente, e na margem das folhas (C 5) eles visitam as suas respectivas estruturas secretoras, mas ainda não se sabe se fazem uso do que é produzido nelas. Um recurso de ocasião para os lacerdinhas, comum em outubro, é o fungo Golovinomyces (C - 4).

E para quem pensa que aranha é um bicho exclusivamente carnívoro, que fique sabendo da falácia, porque muitas aranhas também consomem néctar. Neste estudo espécies dos salticídeos foram flagradas consumindo néctar, mas não está descartada a possibilidade de outras fazerem o mesmo. Notadamente as aranhas são predadores, como se pode verificar em diversas cenas apresentadas nas imagens da figura a seguir.



Muitas dessas presas são capturadas em embate corpo-a-corpo ou por meio de teias tecidas nas inflorescências e folhas ou entre ramos. Moscas, vespas, microhimenópteros, abelhinhas sem ferrão e formigas foram os itens alimentares mais comuns deste grupo, mas não faltaram gafanhotos, cigarrinhas e crisopídeos. É possível que alguns percevejos também sejam predados.

As espécies de lepidópteros, ortópteros, neurópteros, tisanópteros e aranhas que foram observadas estão relacionadas nas tabelas a seguir.



Não seria possível finalizar esta matéria sem tratar do reino Fungi. Não só porque há duas espécies que crescem frequentemente em Croton glandulosus, mas porque esse é um reino diverso e de grande importância na Natureza, principalmente na ciclagem de nutrientes. Ainda há aqueles que se destacam como complemento alimentar de diversas espécies, inclusive a humana, outros são patógenos de plantas e animais e há ainda aqueles que se destacam especialmente pelas associações mutualísticas que estabelecem com algas e cianobactérias (liquens), ou com plantas (micorrizas), permitindo trocas de nutrientes e extensa comunicação

Na figura a seguir encontram-se os dois fungos que crescem em C. glandulosus. Na imagem superior central, sobre a superfície dos nectários de folhas maduras (setas brancas), um fungo escuro, provavelmente Penicillium sp. Nas demais imagens o que se vê é Golovinomyces sp., fungo fitopatógeno que deixa folhas, ramos e frutos com aspecto esbranquiçado. Se para a planta ele traz algum dano, para diversas espécies de besouros, principalmente larvas e adultos de predadores coccinelídeos e de lacerdinhas, ele é alimento para larvas e adultos, como se pode ver na figura a seguir.



Contudo, existem fungos nada nutritivos para insetos. Ao contrário, nutrem-se deles causando-lhes doenças e até a morte. Na próxima figura pode-se ver um exemplo do que parece ter sido um besouro. Mumificado, ele morreu agarrado a uma folha de C. glandulosus, exibindo o fungo claro que emergiu no dorso do abdome. Um exemplo de fungo como esses é Beauveria bassiana, que têm sido estudado especialmente para aplicação em controle biológico de espécies que atacam plantas cultivadas.



Croton glandulosus é uma espécie potencialmente valorosa em diferentes linhas de investigações científicas, sustentando uma rede intrincada de interações complexas, dinâmicas e repletas de beleza e poesia. Uma delas refere-se ao comportamento de cada espécie associada a ela, que pode nos levar, por exemplo, ao conhecimento de estratégias criativas que aumentam as chances de sobrevivência. Outra linha de estudos pode voltar-se ao entendimento da dinâmica de sistemas vivos complexos ou ao conhecimento da composição química, que tanto podem servir a estudos de taxonomia e sistemática vegetal, como a ensaios para uso como fitoterápicos etc. Há ainda artrópodos cujas espécies, ainda desconhecidas da ciência, podem ser descritas e integradas aos grupos taxonômicos de referências. Em áreas onde se desenvolve a apicultura, principalmente de abelhas sem ferrão, o plantio de C. glandulosus pode propiciar abundância de néctar, pólen e resina a elas. Além disso, o potencial como abrigo e sustento de inimigos naturais de herbívoros consumidores de plantas cultiváveis faz dessa euforbiácea uma espécie promissora em estudos visando controle biológico.


Um reconhecimento necessário

Aos taxonomistas, profissionais responsáveis pelos trabalhos de descrição e classificação das espécies, fica aqui esta menção. São eles responsáveis pela identificação correta das espécies, o que é fundamental em estudos de diferentes áreas (ex. ecológica, médica, conservacionista). Além de podermos conhecê-las e catalogá-las, evitamos os equívocos que os nomes populares ocasionam, quando espécies diferentes recebem nomes iguais ou a mesma espécie recebe nomes distintos em diferentes localidades. Sem os equívocos, assegura-se aos pesquisadores de todo o mundo a relação entre resultados obtidos e as espécies envolvidas em cada estudo. Imagine se alguém descobre um principio ativo de uma determinada espécie de planta, que pode curar certa doença ou aliviar algum sintoma provocado por ela. Sem a identificação correta dessa planta, não se poderia utilizá-la com segurança em chás, infusões e até mesmo extrações químicas para produção comercial de remédios. Também na área ambiental, para gerar conhecimento que depende de saber qual é o número, a diversidade, o papel, a importância e o grau de vulnerabilidade dos integrantes de determinado ecossistema, é imprescindível ter a identificação correta das espécies presentes. Apesar de tamanha importância que têm os taxonomistas, eles ainda são poucos frente à quantidade de espécies de diferentes grupos a serem descritas, ou rearranjadas e também que precisam ser identificadas para profissionais que desenvolvem estudos em outras áreas.

 

Agradecimentos: Pela atenção e inestimável ajuda na identificação de espécies e por comentários enriquecedores sobre aspectos interessantes da biologia e ecologia de algumas delas, sou imensamente agradecida aos doutores Adriano Cavalleri, Antonio Brescovit, Beatriz W. Teixeira Coelho, Camila Conti, Carlos José Einicker Lamas, Carolina Yamagushi, Celso Godinho Jr., Eduardo Bagagli, Flavizia Freitas de Oliveira, Francisco de Assis G. de Mello, Jocélia Grazia, John Carr, Josenir Câmara, Lucia Massutti de Almeida, Luciano de A. Moura, Michael Gates, Paula Ricardi, Rafaela Falaschi, Ricardo Brugnera, Rodrigo Feitosa, Rosângela Brito, Silvio Nihei, Simone Policena Rosa, Thamara Zacca, Wayne Mathis e Woodruff Whitman Benson. Agradeço também ao Dr. Gerard Gottsberger, que gentilmente responsabilizou-se pela análise química do néctar, que indicou os açúcares componentes.

 

 Para saber mais

1. Abelha Jataí. Coleta de resina por abelha sem ferrão. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C1WzVWbeJsU Acessado em out./2020.

2. Abelha Jataí. Coleta e transporte de pólen. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CrFQujIZho8. Acesso em: Ago. 2020.

3. Alves, D. Imunidade social da abelha melífera: coleta de resina. Disponível em: http://ice2016.abelha.org.br/estudo-imunidade-social-da-abelha-melifera-coleta-de-resina/. Acessado em out./2020.

4. Ascenção, L. Estruturas secretoras em plantas. Uma abordagem morfo-anatômica. Disponível em: http://cbv.fc.ul.pt/PAM/pdfsLivro/LiaAscensao.pdf. Acessado em nov. 2020.

5. Cavalleri, A. et al. Os trips do Brasil. Disponível em http://www.thysanoptera.com.br/. Acessado em out./2020. Ago. 2020.

6. NetNature. Guia De Identificação de Campo Para Lepidopteros de São Paulo. Disponível em: https://netnature.wordpress.com/2013/08/13/guia-de-identificacao-de-campo-para-lepidopteros-de-sao-paulo/. Acessado em: nov./2020.

7. Oliveira, F. F. de et al. Guia Ilustrado das Abelhas “Sem-Ferrão” das Reservas Amanã e Mamirauá, Amazonas, Brasil (Hymenoptera, Apidae, Meliponini). Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá. Tefé: IDSM, 2013. 267p. Disponível em: file:///C:/Users/user/Downloads/Oliveiraetal.2013_GuiaIlustradodasAbelhasSemFerrodasReservasAmaneMamirauAmazonasBrasil-HymenopteraApidaeMeliponini.pdf. Acesso em: Nov. 2020.

8. Orlandin, E. et al. Borboletas e mariposas de Santa Catarina: uma introdução. Campos Novos: Mario Arthur Favretto. 2016. 213p. Disponível em: file:///C:/Users/user/Downloads/BorboletasemariposasdeSantaCatarina1.pdf. Acessado em: nov. 2020.

9. Rodriguez, E. El primer atlas de especies de abejas del mundo sale a la luz. Disponível em: https://www.agenciasinc.es/Noticias/El-primer-atlas-de-especies-de-abejas-del-mundo-sale-a-la-luz. Acessado em nov./2020.


Lucia Maria Paleari - lmpaleari@gmail.com