sábado, 21 de agosto de 2021

Croton glandulosus:
Criatividade e Coevolução
Por Lucia Maria Paleari



Croton glandulosus
Criatividade e Coevolução

Por Lucia Maria Paleari
lmpaleari@gmail.com




Uma apetitosa novidade

Ao longo da evolução biológica das plantas surgiu uma importante estrutura relacionada ao processo de reprodução e perpetuação, que foi denominada semente. É ela que abriga o embrião , formado após a fertilização (união dos gametas feminino e masculino). Ao germinar, ele dará origem a um novo indivíduo da espécie. Essa novidade no reino das plantas está presente em dois grupos: o das coníferas (ex. pinheiro do ParanáGinkgo biloba) e o das plantas com flores.

Na maioria das espécies dotadas de flores, como Croton glandulosus, as sementes produzidas ficam abrigadas no ovário. Essa característica levou os botânicos a denominá-las angiospermas, que, de acordo com o número de cotilédones presentes nas sementes, são divididas em monocotiledôneas (ex. milhoarroz etc.) e em dicotiledôneas (amendoim, feijão etc.). 

Quando a planta mãe produz alimento e o reserva na semente para garantir a nutrição do seu embrião no início do crescimento, ela está também tornando esse alimento disponível a seres vivos consumidores. As sementes de C. glandulosus, por exemplo, podem ser atacadas por larvas do gorgulho Coelocephalapion sp, que consomem endosperma e embrião, inviabilizando o surgimento de uma nova planta.


Consumir e ser consumido: 
Um desafio à perpetuação das espécies

 As fêmeas de Coelocephalapion sp., que se alimentam de néctar e porções das folhas de C. glandulosus, ao encontrarem indivíduos dessa planta produzindo grande quantidade de sementes tendem a colocar muitos ovos, porque há recurso momentâneo suficiente para sustentar uma prole aumentada. Veja as sementes na figura a seguir, obtidas de frutos próximos à abertura (explosão balística), coletados para avaliar o grau de predação. Quase todas elas estavam predadas pelo gorgulho, em geral na fase de pupa (ex. setas brancas na imagem “A”). 



Na imagem anterior, do lado direito (B), há três sementes de um mesmo fruto. Uma delas íntegra e duas com os respectivos orifícios (OS) preparados pelas larvas do gorgulho, que depois disso se transformaram em pupas e finalmente em adultos, que saíram das sementes através desses orifícios, quando o fruto explodiu para dispersá-las. Considerando essa situação, imagine se esses gorgulhos filhos produzirem em média, quando adultos, o mesmo número de novos descendentes que os seus pais sobreviventes, ou colocarem ainda mais ovos diante de fartura momentânea de alimento. Provavelmente a população crescerá tanto, que poderá tornar o recurso escasso ou até mesmo esgotado. Como nesse caso o ataque é à semente, estrutura responsável pela próxima geração de C. glandulosus, o perigo é iminente e para as duas espécies.

Portanto, para a continuidade de espécies interatuantes, é condição que cada uma delas mantenha a respectiva população abaixo de certo limite máximo de crescimento. O uso de recursos precisa ser caracterizado por parcimônia, nunca pelo excesso e desperdício, observado o tempo de sua renovação, para que não seja levado ao esgotamento. Além dessa condição há pelo menos dois outros fatores importantes que restringem o crescimento exponencial de uma população: os seus concorrentes na exploração do mesmo recurso e os seus inimigos naturais.

Veja os exemplos, na figura a seguir, de alguns concorrentes do gorgulho na fase de larva. Nas imagens superiores (A-B) estão espécies que consomem as sementes a partir do ambiente externo, como a larva de uma mariposa da família Lycaenidae (A - indicada pela seta branca) e o adulto de uma espécie de gafanhoto (B).




No segundo grupo, consumindo o endosperma e o embrião no interior das sementes, estão larvas de duas espécies de vespinhas (C-D), e, como se vê na próxima figura, a larva do gorgulho (a). Todas essas 3 espécies iniciam o consumo pela parte inferior do endosperma, para onde elas se dirigem após a eclosão, aparentemente evitando o embrião, que é ingerido apenas quando as larvas estão mais desenvolvidas. 


Você deve ter notado, que a larva do gorgulho da fotografia anterior (a), em fase final de crescimento, aparece com uma larva de microhimenóptero (b) sobre o corpo, que nada mais é do que a fase jovem de uma vespinha parasitoide, que a estava consumindo e causou-lhe a morte. Esse e outros inimigos naturais (ex. predadores) e patógenos (ex. fungos, vírus), acometendo os predadores de sementes em alguma fase da vida (ovo, larva, pupa e adulto), também podem reduzir-lhes as populações e, indiretamente, favorecer Croton glandulosus.


Dinâmica de vida criativa 

Considerando que força e competição não são garantia de sucesso e nem de bem-estar, aprender a partilhar recursos, regular o tamanho da prole para evitar o esgotamento dele e se esquivar de inimigos naturais são providências básicas capazes de aumentar as chances de sobrevivência dos indivíduos e de perpetuação das suas espécies. Além disso, o sucesso depende, em grande medida, do desenvolvimento da criatividade, que possibilitará elaborar e reelaborar estratégias de proteção ou estratégias que permitam partilha dos recursos e colaboração recíproca.

Dê uma olhadela na palmeira exótica, Livistona chinensis, da próxima figura. 



Ela produz coquinhos cinza escuro, que vemos no cacho onde uns poucos deles mostram a cor laranja interna, que fica evidente após terem sido atacados por aves nada exóticas, dentre elas sabiás, tucanos e bem-te-vis.

Pode não ser o seu caso, mas algumas pessoas que olharam essa foto não se deram conta da simpática avezinha, que depois de pegar um fruto no cacho para comer, alojou-se estrategicamente à frente da folha, onde permaneceu camuflada enquanto se alimentava. Caso você também não a tenha visto, olhe com mais vagar para o lado esquerdo da fotografia, entre a folha da palmeira e o cacho com os frutos. Nesse local está o periquitinho Brotogeris sp., que pode chegar em bandos ruidosos, toda vez que a palmeira está com cachos abarrotados de frutos maduros, em geral no período de outono-inverno.

Como as pessoas que não perceberam o periquitinho camuflado, imagine um predador que também não consiga detectá-lo. É óbvio que esse predador não o atacará, deixando o periquitinho vivo em condições de se reproduzir. No entanto, se o seu inimigo natural desenvolver capacidade de detectá-lo com certa facilidade, essa camuflagem poderá ter pouca ou nenhuma serventia. Neste caso, será preciso que Brotogeris sp. elabore uma contraestratégia.

A essa dinâmica de uma espécie desenvolver determinada contraestratégia, em resposta a uma estratégia mais vantajosa da outra espécie, é o que ficou conhecido por coevolução: Coparticipantes de um processo, que ao longo do tempo evoluem de forma conjunta e recíproca e se adaptam, em resposta a determinadas pressões de uns sobre os outros e de seus ambientes.


Sob ameaça foge...
quem se arrasta,
quem tem pernas,
quem tem asas.

 Se assim for, quem vive plantado ou confinado suspira encurralado?

As pessoas em geral pensam que plantas e espécies como a do gorgulho, cujas larvas ficam confinadas dentro das sementes, não têm escapatória quando são ameaçadas por inimigos naturais. Talvez possa parecer assim, quando a vista e o conhecimento pouco alcançam, quando eles não vão além do indivíduo interpretado de forma individualizada, destacado do sistema em que está inserido.

Em plantas, por exemplo, foi-se o tempo em que elas eram vistas como seres incapazes de reagir e de protegerem-se de ataques, por estarem enraizadas no solo. Hoje sabemos que elas são capazes, como todo ser vivo, de desenvolver estratégias particulares de proteção, de recuperação de tecidos a ataques sofridos e também de comunicação, enviando e recebendo nutrientes e informações químicas por meio de rede simbiótica com fungos. Esses processos interessantes podem ser visualizados na representação a seguir.



Plantas comumente produzem pelos e espinhos que dificultam ataques, podem antecipar ou retardar o desenvolvimento com relação ao de espécies de herbívoros e podem até mesmo produzir tecidos que atraem e suprem o agressor desviando-o das suas estruturas nobres, como as reprodutivas. Além disso, as plantas também podem produzir substâncias antimicrobianas, substâncias atrativas, repelentes, tóxicas ou de alarme, que atuam na defesa do indivíduo ou da população. Essas estratégias revelam a capacidade criativa de agir das plantas para evitar herbivoria.

É claro que todas as explicações que temos para fenômenos do mundo surgem de interpretações humanas, porém é preciso considerar que em estudos científicos elas resultam de observações e testes realizados e não de achismos ou chutes a esmo. Recentemente as compreensões que alcançamos a respeito das plantas e da vida em geral são mais sensíveis e especialmente importantes, porque concebem as espécies em suas interações, dinâmica de coexistência e evolução menos influenciadas pela maneira dominadora de agir do ser humano, que tem erroneamente entendido a Natureza como se dela não fizesse parte, como se ela fosse um bem para seu uso e controle. Passou-se, portanto, a assumir que a vida é criativa, que os seres vivos atuam de maneira perspicaz e construtiva, independentemente de atributo intelectual como o nosso, que é responsável pela edificação da ciência e tecnologia. Inegavelmente os avanços nessas duas áreas nos têm permitido compreender muita coisa sobre a Natureza, mas também de interferir profunda e destrutivamente nas suas redes de interações, colocando em risco a própria existência humana.

De forma produtiva, equipamentos tecnológicos sofisticados, por exemplo, ajudaram a detectar substâncias, a ver mais detalhadamente estruturas e a entender como acontecem certas interações, em particular no mundo microscópico de células e de substâncias especialmente produzidas para neutralizar invasores ou bloquear-lhes a ação, como forma de manter a integridade do sistema em questão. No caso humano, um dos muitos exemplos é o das células e anticorpos do sistema imunológico que destroem até mesmo as células do próprio corpo, quando estas se desviam de suas funções, como as cancerígenas. Em larvas e adultos de insetos a defesa contra invasores pode acontecer por meio de certas células (hematócitos) e de substâncias que fazem parte da hemolinfa que circula pelos seus corpos. Isso significa que até mesmo uma larva confinada em uma semente, como a do gorgulho, poderia ser capaz de se defender de um parasita interno, isto é, que penetra o corpo do hospedeiro (= endoparasita ou, no caso de insetos, endoparasitoides).

Esses processos são interessantes, variam em diferentes espécies e não implicam 100% de eficácia na proteção, inclusive porque parasitas e predadores, assim como seus hospedeiros e suas presas, também desenvolvem estratégias para garantir a continuidade de suas espécies. Basta rever a larva do gorgulho mostrada anteriormente dentro da semente, onde supostamente ela estaria protegida ao explorar o recurso alimentar, mas apareceu sustentando uma larva ectoparasitoide sobre o seu corpo, que se alimentou dela. Essa larva do gorgulho parasitada é consequência de eventos como os que foram documentados na próxima figura. Nela as duas espécies de ectoparasitoides (colunas “A” e “B”), provavelmente seguindo pistas químicas (ex. substâncias voláteis), físicas (ex. vibrações, marcas) ou ambas, encontraram os frutos e neles sementes atacadas por larvas do gorgulho. 



Na coluna à esquerda (A), a vespinha ectoparasitoide, Phyloxeroxenus sp., depois de encontrar a planta, detectou nela um fruto desenvolvido com duas manchas circulares escuras (setas pretas). Em seguida dirigiu-se para a mancha da direita (imagem superior), onde introduziu o ovipositor no orifício que há no centro dela (imagem inferior). Tal orifício, que acompanha manchas escuras desse tipo, é feito pela fêmea do gorgulho com o aparelho bucal, quando o fruto é jovem, ainda verde e tenro como as sementes, que nessa fase não endureceram a testa (camada mais externa). Por esse orifício a fêmea do gorgulho introduz o seu ovo, do qual a larva eclode e penetra a semente, onde permanecerá consumindo o endosperma e na fase final também o embrião.

Nas imagens da coluna à direita (B), está outra espécie de ectoparasitoide, Semiotellus sp.. Essa fêmea, após encontrar um fruto crescido tamborila com as antenas sobre a superfície dele (imagem superior), provavelmente para descobrir quais sementes estão sendo cavadas por larvas do gorgulho. Em seguida, ela introduz o ovipositor em local íntegro (imagem inferior), para deixar seu ovo. Frutos como esses, depois de maduros podem apresentar as sementes como as que estão próxima figura. Nas imagens da linha superior (A), elas estão mostrando a face externa, que fica voltada para o lado de fora do fruto, e nas imagens da linha inferior (B), elas exibem a face interna, que fica voltada para dentro do fruto.



Note nessa figura, que cada uma das duas sementes da direita apresenta na face externa (A) um orifício na base (1), resultado da oviposição de uma ou de duas fêmeas do gorgulho. Na face interna das mesmas duas sementes, parte inferior (B), veja que há grandes aberturas medianas e circulares (2). Estas aberturas testemunham o trabalho realizado pelas larvas do gorgulho, embora o que se possa ver através delas, sejam os abdomes (3) de duas pupas de vespinhas ectoparasitoides, cujas cabeças estão voltadas para a região da carúncula da semente (c).

Observe também, na imagem anterior, outra característica que cada semente possui na face interna (B) e que está mais evidente na semente da esquerda. Existem duas superfícies chanfradas, uma à direita e outra à esquerda da linha central mais elevada. Por causa dessa conformação e da convexidade da superfície externa, quando justapostas dentro de suas ocas as sementes compõem um fruto globoso. Nele, toda larva do gorgulho que estiver predando uma semente, cavará um orifício de saída (2) em uma das duas superfícies internas chanfradas, para utilizá-lo na fase adulta. Mas como essa superfície fica dentro da oca, cuja parede se justapõe à parede de outra oca vizinha, o gorgulho adulto ficará impedido de sair e de se dispersar, a menos que o fruto se abra por meio da explosão balística e libere as sementes. Se por alguma razão o fruto não se abrir o besouro adulto morrerá confinado e se o fruto se abrir antes que o besouro tenha se transformado em adulto, este dificilmente sobreviverá no campo, devido à desidratação e predação. Por isso, a sincronia que se registra entre os desenvolvimentos do gorgulho e do fruto é fundamental, o que inclui a decisão da fêmea sobre idade adequada do fruto, que escolherá para ovipor. As vespinhas ectoparasitoides, por sua vez, não dependem da abertura do fruto para se dispersarem. No momento de voar e iniciar a reprodução, são as próprias vespinhas adultas que cavam seus orifícios de saída na face externa das respectivas sementes e ocas dos frutos onde se encontram. Na próxima figura é possível ver exemplos desses orifícios, sendo que nas duas sementes do fruto à esquerda emergiram Semiotellus sp. (a) e Phyloxeroxenus sp. (b).


É evidente que o gorgulho desenvolveu estratégias especiais para detectar C. glandulosus e colocar seus ovos no interior das sementes, proporcionando rica fonte de alimento e certa proteção para suas larvas. Mas, em contrapartida, os ectoparasitoides também desenvolveram sofisticada capacidade de detecção da planta e das sementes contendo larvas do gorgulho em condições de serem parasitadas. Sendo assim, o sucesso de cada larva do gorgulho representa um correspondente insucesso de C. glandulosus, porque cada semente predada deixará de germinar e de originar uma planta descendente. No entanto, embora o sucesso de um ectoparasitoide não proteja a semente que recebeu a larva do gorgulho, ele corresponderá ao insucesso do gorgulho, portanto, um gorgulho adulto a menos a se reproduzir na próxima geração e, consequentemente, proteção indireta a C. glandulosus. Lembrando que os adultos desses ectoparasitoides são atraídos pelo néctar de C. glandulosus, do qual se alimentam, é razoável supor que investir em nectários e suas secreções poderia fazer parte de uma estratégia vantajosa desenvolvida pela planta, que a levaria à redução de perdas por herbivoria.

Mas, como ficam as larvas do gorgulho? Encurraladas e, dessa forma, fadadas à morte, comprometendo as gerações futuras de sua espécie?

Se a sobrevivência dessa espécie se resumisse a tal situação, a nossa concepção sobre a criatividade da vida, levando as espécies a coevoluírem de maneira a aumentar as suas chances de perpetuação, estaria comprometida. E esse não foi o caso do pequenino besouro Coelocephalapion sp. As investigações realizadas permitiram reunir dados importantes, que revelaram a beleza e a engenhosidade presentes nas interações das quais esse gorgulho faz parte e que, provavelmente, são responsáveis pelo seu sucesso, mesmo tendo larvas reclusas nas sementes de C. glandulosus, sem poder fugir quando atacadas por parasitoides e predadores. Para demonstrar como esse sucesso pode ser alcançado, é preciso lançar olhar mais amplo sobre os personagens envolvidos nesse sistema. Inicialmente, seguem alguns fatos marcantes e pertinentes sobre seus comportamentos.


Temperando um pouco mais a história

Veja a imagem a seguir. Tamanho malabarismo da pequena formiga tem uma razão: colocar o gorgulho, preso pela perna com suas mandíbulas no momento da foto, fora de C. glandulosus.


E — acredite! — foi o que aconteceu poucos minutos depois. Essa formiga, Crematogaster sp., é uma das diversas espécies que transitam por Croton glandulosus em busca de néctar em nectários das folhas jovens situadas nos ramos mais novos, onde ficam as flores masculinas nas extremidades, com seus nectários florais.

Agora veja as espécies a seguir. Todas elas alimentam-se de néctar, que é um recurso muito procurado por mais de 200 espécies, que se associaram a C. glandulosus.


  


A joaninha (A) é representante dos predadores de herbívoros, no caso pulgões sugadores da seiva. As vespinhas (B-E) são parasitoides, com destaque para os dois ectoparasitoides do gorgulho (C-D), que entre uma oviposição e outra se deslocam para nectários florais e extraflorais próximos, onde se alimentam. Na imagem final (F), a formiguinha obtendo néctar é também Crematogaster sp., como aquela fotografada na imagem anterior prendendo a perna do gorgulho com as mandíbulas, antes de colocá-lo para fora da planta. Essas e outras espécies que usam néctar formam um verdadeiro escudo protetor para Croton glandulosus, contra herbívoros que lhe causam danos.

Considerando que quanto mais se aprofundam os estudos mais evidências são encontradas sobre a capacidade dos seres vivos de promoverem mudanças estruturais, fisiológicas e comportamentais que aumentam a adaptação, é plausível supor que mesmo gastando bastante energia para produzir as diversas substâncias em suas estruturas secretoras, que C. glandulosus seria recompensada com proteção contra herbívoros, ao atrair e alimentar os inimigos naturais deles.

 
Para o gorgulho um dilema:
Aumentar prole ou reduzir-lhe os perigos?

Observe, na imagem a seguir, o ramo em primeiro plano de Croton glandulosus.

 


Note que no interior do círculo 1 há um fruto (t). Ele foi denominado tardio, porque começou a se desenvolver após as primícias da sua inflorescência e simultaneamente ao desenvolvimento das primícias (p) do nível seguinte (2). Portanto, ele se desenvolveu após a dispersão das sementes das primícias do seu nível (1), quando os 3 ramos mais novos (a, b, c) do nível seguinte já tinham crescido e emitido suas respectivas inflorescências nas extremidades. Nessa fase, cada um dos 3 ramos mais novos apresenta normalmente o que está exemplificado no interior do círculo 2 do ramo “c”: flores masculinas (fm) com nectários ativos produzindo néctar, sob elas os frutos das primícias (p), aproximadamente na mesma fase de crescimento em que se encontra o fruto tardio (t) do nível anterior (círculo 1) e folhas jovens (fj) com nectários extraflorais ativos.

A segunda constatação refere-se ao fruto tardio, que nem sempre vinga, mas quando isso acontece é comum encontrá-lo com sinal de oviposição feito por fêmea do gorgulho. Tão comum que deu a impressão da oviposição acontecer mais nesse tipo de fruto do que naqueles das primícias. Mas essa impressão causou estranheza, porque frutos tardios representam pouco recurso alimentar (em geral 2 ou 3 sementes, em um fruto), se comparados aos das primícias (em geral 12 a 18 sementes, em 4 ou 6 frutos).

Se for mesmo assim, qual seria a razão das fêmeas do gorgulho procurarem preferencialmente os frutos tardios, que representam pouco recurso alimentar?

Em busca de uma hipótese para essa suposta preferência das fêmeas do gorgulho por frutos tardios para ovipor, alguns outros fatos reunidos poderiam dar sentido à história. Um deles tem a ver com o último nível dos ramos de C. glandulosus, destacado no círculo 2 da imagem anterior. Nesse local se concentra a produção de néctar e os artrópodos visitantes, muitos deles, como já visto, parasitoides e predadores dos herbívoros. Como isso não acontece no nível anterior dos ramos, onde não há mais flores e as folhas maduras não têm nectários produtivos, larvas do gorgulho nascidas em frutos tardios tendem a ficam menos expostas aos seus ectoparasitoides e as fêmeas a ficarem sem constante importunação de formigas e moscas, no momento de ovipor ali.

Se assim for, a possível estratégia das fêmeas de distribuir os ovos entre os frutos das primícias e os tardios, com preferência para estes, aumentaria a chance de sobrevivência das larvas e, consequentemente, de continuidade da espécie.

Essas hipóteses parecem explicar bem os fatos, mas elas só poderão ser aceitas como explicações plausíveis se comprovadas por meio de testes científicos. Sendo assim, o desafio está posto. Mas antes de partir para os testes, observe o ramo de Croton glandulosus na imagem a seguir.


 


Note as primícias (p) na extremidade do ramo, com frutos maduros em fase de dispersar as sementes, fase esta que é a mesma do fruto tardio (t) no nível anterior. Note também que esse fruto tardio exibe um orifício circular (pa), que, neste caso, corresponde à saída de uma fêmea parasitoide, após longo ritual pré-nupcial. Essa situação nos mostra que larvas predando sementes dos frutos tardios não estão 100% seguras, dado que as vespinhas parasitoides podem encontrá-las nesses frutos também. Mas, mesmo assim, é possível que as larvas do gorgulho em sementes de frutos tardios sejam proporcionalmente menos atacadas por inimigos naturais, do que em sementes de primícias. Se assim for, ovipor mais em frutos tardios pode ser uma estratégia vantajosa para a espécie do gorgulho.

Enfim, será que gastar energia produzindo tantas estruturas secretoras, principalmente os nectários e seus produtos, poderia ser comprovadamente uma estratégia de C. glandulosus para evitar danos excessivos a partes nobres como as sementes e estruturas fotossintetizantes?

E mais, será que o gorgulho, sujeito a essas condições, teria desenvolvido como contraestratégia a colocação de ovos preferencialmente em frutos tardios?

Essas possíveis explicações são tão interessantes e desafiadoras, que mesmo com certas dificuldades práticas, inclusive para identificação taxonômica de todas as espécies predadoras internas de sementes de C. glandulosus e de seus parasitoides, alguns testes foram planejados e conduzidos no campo para verificar se tais explicações podem ser aceitas ou devem ser rejeitadas.

 Se você ficou curioso sobre as investigações, poderá avançar até os próximos posts para conhecer os  fundamentos e os  resultados.


Para saber mais

ECOVIRTUAL. Taxas de crescimento e função exponencial. Disponível em: http://ecovirtual.ib.usp.br/doku.php?id=ecovirt:roteiro:math:exponencial. Acesso em: Nov. 2019.

ECOVIRTUAL. Dinâmica populacional denso-independente. Disponível em: http://ecovirtual.ib.usp.br/doku.php?id=ecovirt:roteiro:den_ind:di_rcmdr. Acesso em: Nov. 2019.

NOBRE, D. A. Um novo olhar sobre a vida na Terra. Disponível em: https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=wm&pli=1#inbox/FMfcgxwKkHdvzwjFhxDjrgFKhZrttRhV?projector=1. Acesso em Dez. 2020.

PALEARI, L. M. Cantoria e História, de Flores que Viraram Frutos e Gulodices. Disponível em: http://luciamariapaleari.blogspot.com/2020/12/cantoria-e-historia-de-flores-que.html. Acesso em: Dez. 2020.

 

Lucia Maria Paleari
lmpaleari@gmail.com