domingo, 28 de março de 2010

O princípio básico das práticas de controle biológico

Por Lucia Maria Paleari


Súbito ataque foi o título de uma das fotos (abaixo) que inscrevi no concurso de fotografias do Congresso Brasileiro de Zoologia, realizado no mês passado em Belém.


Larva consumindo mosca que procurava por alimento na flor (Foto: Paleari, L.M.)

Assim que a mosca introduziu seu aparelho bucal na flor para obter alimento, provavelmente néctar e pólen, a larva fez dela sua presa, num caso de predação. A larva que estava abrigada na flor de uma pequena planta ruderal não perdeu a oportunidade de obter alimento para continuar o seu crescimento e completar a metamorfose, que a faria se transformar em inseto adulto.

Um outro caso de predação, que já apresentei neste blog em 30 de outubro de 2009, foi o de um minúsculo hemíptero alimentando-se de um trips (lacerdinha), que vive nas flores de Croton glandulosus. E são vários os casos.

Veja a joaninha da foto a seguir.


Joaninha (Cicloneda sanguinea) predando pulgão
que suga seiva de Croton glandulosus (Foto: Paleari, L.M.)


Quase toda vez que pulgões alados chegam e rapidamente povoam com seus descendentes ramos de Croton, de onde eles sugam seiva, logo em seguida vêm as joaninhas que se fartam com tanto alimento disponível. Desta forma, elas também têm condições de se reproduzir. Para isso colocam ovos dos quais eclodem larvas, que se alimentarão de pulgões até se transformarem em pupas, que, depois de sofrerem algumas transformações, emergirão como joaninhas adultas. Esta espécie come tantos pulgões durante sua vida que o Homem passou a fazer uso do seu hábito alimentar, para se livrar de pulgões que sugam e prejudicam o crescimento, a floração e frutificação de certas plantas cultivadas. Na Alemanha, por exemplo, as joaninhas são vendidas para que as pessoas livrem as roseiras de pulgões e garantam que as plantas, que são ornamentais, produzam rosas formosas, para encher os olhos de beleza.

Essa é uma maneira de controlar o tamanho de populações de insetos indesejáveis ao Homem usando o que denominamos de inimigos naturais. Portanto, larvas e adultos de joaninhas são considerados por nós, seres humanos, como inimigos naturais dos pulgões, embora, eles apenas alimentem-se dos pulgões para viver, como nós nos alimentamos de diversos animais. Essa prática, de utilizar inimigos naturais de algumas espécies para reduzir suas populações e evitar prejuízos na produção de plantas cultivadas e de animais de interesse ao Homem, ficou conhecida como Controle Biológico. Dessa forma é possível evitar ou reduzir consideravelmente o uso de agrotóxico (ex. inseticidas, herbicidas), que não destroem apenas animais e plantas indesejáveis ao Homem, mas o próprio Homem, que pode sofrer muito com a ação desses produtos químicos no seu corpo.

Foi assim com o DDT (diclorodifeniltricloroetano), uma substância que durante a II guerra mundial serviu para matar piolhos que transmitiam ao ser humano bactérias do gênero Rickettsia, causadoras do tifo. Essa doença levou à morte grande número de soldados. Posteriormente, o produto foi amplamente utilizado, principalmente para matar pernilongos, também conhecidos como mosquitos ou carapanãs, do gênero Anopheles, que são transmissores dos protozoários causadores da malária. Porém, esse produto, que atua no sistema nervoso dos insetos e é solúvel em gordura, trouxe graves problemas ao ser humano inclusive a morte, porque o nosso sistema nervoso, que guarda muitas semelhanças com o do inseto, sob a ação do DDT sofre alterações que o levam a produzir estímulos de uma forma contínua, provocando contrações musculares, convulsões e paralisia. Dependendo da dose e do tempo que a pessoa ficou exposta a esse produto tóxico, que penetra principalmente pelas vias aéreas e digestiva, ela poderá ter uma insuficiência respiratória e morrer. O interessante é que insetos, que produzem muitas gerações em relativamente pouco tempo, conseguiram se tornar resistentes a esse produto, que deixou de ser tão eficiente. Mesmo com tantos e tão graves problemas que causa à saúde humana, e dos animais em geral, o DDT ainda é utilizado em muitos locais do mundo. Seguindo pelas cadeias alimentares o DDT pode acumular progressivamente nos corpos dos seres vivos consumidores (magnificação trófica). Como o ser humano alimenta-se de diversos animais de níveis tróficos abaixo, poderá concentrar DDT no seu corpo também por essa via e, consequentemente, agravar os problemas de saúde e o risco de morte.

Problemas como esses provocados pelos agrotóxicos em geral, são boas razões para diversos grupos de pesquisadores investigarem os inimigos naturais das espécies que implicam em prejuízos econômicos ou de saúde ao ser humano.

Na categoria inimigos naturais de grande interesse em programas de controle biológico estão também os insetos parasitóides. Eles podem se alimentar de outros insetos habitando o interior dos seus corpos, caso dos endoparasitóides, ou se manter na parte externa dos corpos dos hospedeiros, caso dos ectopasaritóides.


Lado esquerdo – Na foto superior, uma larva de Apion sp., besouro predador de sementes de Croton glandulosus, com uma larva ectoparasitoide alimentando-se de tecidos do seu corpo; na foto inferior, um adulto de Agonosoma flavolineatum, percevejo sugador de fruto de Croton glandulosus com ovos da mosca Trichopoda pennepis sobre o corpo (detalhe do lado esquerdo superior) e o mesmo indivíduo na imagem maior um pouco abaixo, dissecado para mostrar a larva da mosca que ao sair de um dos ovos passou a se alimentar de tecidos do corpo do percevejo. Lado direito – Na foto superior uma fêmea de Botanochara sedecimpustulata ovipondo e uma fêmea do endoparasitóide ovipondo dentro do ovo do besouro; no detalhe do canto direito, Emersonella sp. está sobre o pronoto de uma outra fêmea do besouro, com a qual anda de carona; na foto inferior a lagarta consumidora de folhas de uma planta ruderal (Hyptis sp.) está repleta de pupas de uma espécie de himenóptero ectoparasitóide. (Fotos: Paleari, L.M.)

Os parasitóides costumam ser bastante eficientes na redução do tamanho das populações de suas espécies hospedeiras. Nesse caso são selecionados e agem como excelentes agentes de controle biológico. Bactérias, fungos e vírus, denominados de agentes patogênicos, que causam doenças e podem matar insetos, também são bastante utilizados em controle biológico.

No entanto, falta de conhecimento e busca por resultados imediatos visando exclusivamente o lucro fazem com que muitos fazendeiros ignorem os resultados científicos já existentes sobre a eficiência de inimigos naturais e de agentes patogênicos, e insistam em poluir plantações, animais, solo e mananciais de água com agrotóxicos. Como os problemas de saúde e de morte que acometem os seres vivos, inclusive o ser humano, nem sempre são imediatos após o uso dos agrotóxicos, fica a ilusão do lucro sem prejuízos.

Sendo assim, já imaginou o que significam as borrifadas diárias de inseticidas, que tanta gente usa para matar insetos, baratas e traças em casa?

Por mais que as concentrações sejam baixas, são substâncias tóxicas, nocivas à saúde. Já para os insetos, é uma questão de relativamente pouco tempo até que estes se tornem resistentes aos produtos usados e obriguem o Homem a buscar por novas fórmulas de veneno que sejam mais eficientes.