terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Quão pequeno ou quão grande?

Por Lucia Maria Paleari

Quão pequeno ou quão grande?
É relativo. Veja a foto abaixo, na qual eu seguro a parte apical de um ramo de Croton glandulosus.


Ápice de um ramo de Croton glandulosus com detalhede uma flor masculina aberta.
(Foto feita com uma lente macro - 100mm)


Perceba que entre a flor masculina que está aberta e a pequena mosca que coleta néctar na glândula do ápice do pecíolo da folha, estão os estigmas de uma flor feminina, com as extremidades curvadas para o interior. Agora olhe mais para baixo e verifique que, do lado direito, logo acima do meu dedo polegar, há um ponto claro, brilhoso. Trata-se de uma gota de néctar, que foi liberado por uma das duas glândulas do ápice do pecíolo, semelhante àquela na qual a mosquinha se alimenta. As extremidades dos meus dedos permitem que se tenha noção do tamanho relativo de cada componente dessa imagem. As flores são muito pequenas comparadas aos meus dedos, mas são bem maiores do que a mosca e as glândulas dos pecíolos.

E como tudo é relativo, podemos conseguir que essa mosquinha e as glândulas dos pecíolos, fiquem muito maiores. Isso não significa que elas crescerão, alterarão os seus tamanhos reais, mas, sim, que poderão ser percebidas relativamente maiores. Para isso basta uma ampliação da imagem.

Se dermos destaque à flor masculina, usando, por exemplo, um microscópio óptico, como aconteceu na imagem a seguir, veja o que acontece.



Flor masculina ampliada um pouco mais de 8 vezes, ao ser observada ao microscópio óptico


Agora é possível distinguir estruturas que não se podia distinguir na imagem anterior, como os grãos de pólen e o nectário floral. Note, que estas duas estruturas aparecem aqui maiores do que as glândulas do pecíolo da imagem anterior. Então, para manter o tamanho proporcional de todas as estruturas, isto é, manter quantas vezes cada uma é maior ou menor do que as demais, seria preciso ampliar em aproximadamente 8 vezes toda a primeira imagem e não apenas a parte da flor. Portanto, o dedo, a mosquinha e as glândulas do pecíolo teriam de ter tamanhos 8 vezes maiores do que aqueles que apresentam na primeira imagem. Desta maneira, poderíamos dizer que a mosquinha, as glândulas do pecíolo e até mesmo o meu dedo seriam relativamente maiores do que aparecem na primeira imagem, contudo, mantendo a proporção real que existe entre si. Isto significa dizer que se no ambiente a mosquinha fosse duas vezes menor do que a flor, ela manteria essa diferença com relação à flor em qualquer imagem ampliada.

Com o auxílio de instrumentos como esses que usei, a máquina fotográfica e o microscópio, a nossa possibilidade de observação de detalhes e registros do ambiente também se tornam relativamente maiores. Observamos bem mais do que os nossos olhos conseguem ver desarmados, sem instrumentos adequados, e vamos para além da memória biológica que faz parte da vida de cada indivíduo, registrando situações em diferentes meios como no filme fotográfico, no cartão de memória das máquinas digitais, no papel, no CD etc. Esses registros, com bem mais facilidade do que aqueles que temos nas nossas memórias individuais, podem ser compartilhados com milhares de pessoas mundo afora e perpetuados na história da humanidade.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Por que “mato”, com tanto desprezo?

Por Lucia Maria Paleari


A vegetação ruderal é composta por um grupo de plantas pertencentes a diversas famílias botânicas. Em geral são percebidas e consideradas, pela maioria das pessoas, apenas quando adensadas em terrenos baldios e plantações, onde, quase sempre, herbicida e capina com enxada dão conta de eliminá-las.


Dois terrenos baldios, em dezembro, com algumas plantas em flor – à esquerda Emilia sonchifolia (inflorescências vermelhas) e Bidens pilosa, popularmente conhecida como picão (inflorescências amarelas); à direita Ageratum conizoides (inflorescências azuladas) e um aluno de pós-graduação colaborando na coleta de frutos de Croton glandulosus, também presente nessa área.(Fotos: Paleari, L.M.)


Sem atrativos ao olhar descuidado da maioria das pessoas, e sem valor ornamental, essas plantas são vistas como nocivas por competir por nutrientes com plantas cultivadas, ou por atrapalhar a colheita. Por isso, elas são alvo de pesquisadores que buscam, com seus estudos, encontrar formas eficazes de eliminá-las de plantações de alimentos. Entretanto, nem sempre é assim. Diversos estudos já mostraram que áreas de cultura deixadas com vegetação ruderal não tiveram uma produção de alimento reduzida, quando comparada com a produção de áreas semelhantes, mas sem essa vegetação. Além disso, tais plantas ajudam a conservar o solo dando proteção contra erosão (perda de nutrientes), sol direto, perda excessiva de umidade, assim como servem de abrigo e alimento a pequenos insetos parasitóides e predadores, ambos carnívoros que se alimentam de fitófagos, insetos estes consumidores de plantas (fito = planta; fagos = comer).

Apenas algumas espécies de vegetais ruderais merecem atenção e eliminação, a depender de onde estejam instaladas e do papel que estiverem desempenhando no local. Esse pode ser o caso daquelas espécies que possuem ramos muito lenhosos e sistema radicular bem desenvolvido, ou que se proliferam com rapidez sombreando e perturbando o desenvolvimento de plântulas de cultivo, ou que servem de hospedeiras alternativas para herbívoros que consomem plantas de interesse econômico etc.

Equivocadamente tratadas por ervas daninhas, e depreciativamente referidas em conversas populares como “mato’, as espécies ruderais já integraram com regularidade o cardápio de muitas famílias até meados do século XX. Um exemplo é o do caruru (Amaranthus spp.) pertencente à mesma família, Amaranthaceae, da famosa quinua andina (Chenopodium quinoa), que é usada como complemento protéico. Há também a beldroega (Portulaca oleracea) e a serralha (Sonchus oleraceus). Comuns em plantações de café e hortas brasileiras, essas espécies são, hoje em dia, praticamente desconhecidas da população, embora pessoas ligadas a movimentos como o slow food e alimentação orgânica, estejam recuperando esses antigos hábitos. A serralha parece ser a única delas comercializada hoje em dia, podendo ser encontrada em algumas quitandas e feiras-livres, principalmente de cidades do interior.


Caruru vermelho (Amaranthus hybridus) - à esquerda alguns indivíduos crescendo em um
terreno baldio e à direita um detalhe da inflorescência.(Fotos: Paleari, L.M.)


Outras espécies que compõem a vegetação ruderal são conhecidas como indicadores ecológicos, por crescerem em abundância em determinadas áreas dando dicas da escassez de certos elementos químicos, necessários ao crescimento normal de espécies cultiváveis, por exemplo. No mais, muitas espécies ruderais são fontes de produtos repelentes, ou de fitoterápicos - substâncias químicas com propriedades de aliviar certos problemas de saúde -, além de servirem de objeto de estudos botânicos e em ecologia.

Como se pode perceber, as espécies ruderais, também referidas como invasoras, participam de interações complexas, à semelhança do que acontece com espécies da Floresta Amazônica, Atlântica, do Cerrado ou da Caatinga. Sendo assim, prestam-se igualmente a estudos de grande valor, que vão bem além dos interesses imediatistas e exclusivamente materiais, de cunho econômico.

Aos poucos vamos revelando a beleza sutil das flores, cores e aromas que perfumam as manhãs. Vamos revelando interações ecológicas intrigantes, que nos ajudam a entender o papel das espécies e como funciona a Natureza.



Plantas ruderais com insetos visitantes – (A, B e C) Inflorescência de Ageratum conizoides com abelha coletando néctar, Joaninha sobre folha e besourinho alimentando-se de pulgão; (D e E) Emilia sonchifolia com pequena borboleta obtendo néctar e frutos sendo dispersos pelo vento; (F) Inflorescência de Bidens pilosa com uma pequena vespa parasitóide de pulgão; (G) Borboleta (Lepidoptera) coletando néctar da flor de uma planta da família Lamiaceae; (H) B. pilosa com pequena mosca sobre inflorescência e pulgões na porção do ramo; (I) Fruto de uma planta da família Euphorbiaceae. (Fotos: Paleari, L.M.)