segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Por que “mato”, com tanto desprezo?

Por Lucia Maria Paleari


A vegetação ruderal é composta por um grupo de plantas pertencentes a diversas famílias botânicas. Em geral são percebidas e consideradas, pela maioria das pessoas, apenas quando adensadas em terrenos baldios e plantações, onde, quase sempre, herbicida e capina com enxada dão conta de eliminá-las.


Dois terrenos baldios, em dezembro, com algumas plantas em flor – à esquerda Emilia sonchifolia (inflorescências vermelhas) e Bidens pilosa, popularmente conhecida como picão (inflorescências amarelas); à direita Ageratum conizoides (inflorescências azuladas) e um aluno de pós-graduação colaborando na coleta de frutos de Croton glandulosus, também presente nessa área.(Fotos: Paleari, L.M.)


Sem atrativos ao olhar descuidado da maioria das pessoas, e sem valor ornamental, essas plantas são vistas como nocivas por competir por nutrientes com plantas cultivadas, ou por atrapalhar a colheita. Por isso, elas são alvo de pesquisadores que buscam, com seus estudos, encontrar formas eficazes de eliminá-las de plantações de alimentos. Entretanto, nem sempre é assim. Diversos estudos já mostraram que áreas de cultura deixadas com vegetação ruderal não tiveram uma produção de alimento reduzida, quando comparada com a produção de áreas semelhantes, mas sem essa vegetação. Além disso, tais plantas ajudam a conservar o solo dando proteção contra erosão (perda de nutrientes), sol direto, perda excessiva de umidade, assim como servem de abrigo e alimento a pequenos insetos parasitóides e predadores, ambos carnívoros que se alimentam de fitófagos, insetos estes consumidores de plantas (fito = planta; fagos = comer).

Apenas algumas espécies de vegetais ruderais merecem atenção e eliminação, a depender de onde estejam instaladas e do papel que estiverem desempenhando no local. Esse pode ser o caso daquelas espécies que possuem ramos muito lenhosos e sistema radicular bem desenvolvido, ou que se proliferam com rapidez sombreando e perturbando o desenvolvimento de plântulas de cultivo, ou que servem de hospedeiras alternativas para herbívoros que consomem plantas de interesse econômico etc.

Equivocadamente tratadas por ervas daninhas, e depreciativamente referidas em conversas populares como “mato’, as espécies ruderais já integraram com regularidade o cardápio de muitas famílias até meados do século XX. Um exemplo é o do caruru (Amaranthus spp.) pertencente à mesma família, Amaranthaceae, da famosa quinua andina (Chenopodium quinoa), que é usada como complemento protéico. Há também a beldroega (Portulaca oleracea) e a serralha (Sonchus oleraceus). Comuns em plantações de café e hortas brasileiras, essas espécies são, hoje em dia, praticamente desconhecidas da população, embora pessoas ligadas a movimentos como o slow food e alimentação orgânica, estejam recuperando esses antigos hábitos. A serralha parece ser a única delas comercializada hoje em dia, podendo ser encontrada em algumas quitandas e feiras-livres, principalmente de cidades do interior.


Caruru vermelho (Amaranthus hybridus) - à esquerda alguns indivíduos crescendo em um
terreno baldio e à direita um detalhe da inflorescência.(Fotos: Paleari, L.M.)


Outras espécies que compõem a vegetação ruderal são conhecidas como indicadores ecológicos, por crescerem em abundância em determinadas áreas dando dicas da escassez de certos elementos químicos, necessários ao crescimento normal de espécies cultiváveis, por exemplo. No mais, muitas espécies ruderais são fontes de produtos repelentes, ou de fitoterápicos - substâncias químicas com propriedades de aliviar certos problemas de saúde -, além de servirem de objeto de estudos botânicos e em ecologia.

Como se pode perceber, as espécies ruderais, também referidas como invasoras, participam de interações complexas, à semelhança do que acontece com espécies da Floresta Amazônica, Atlântica, do Cerrado ou da Caatinga. Sendo assim, prestam-se igualmente a estudos de grande valor, que vão bem além dos interesses imediatistas e exclusivamente materiais, de cunho econômico.

Aos poucos vamos revelando a beleza sutil das flores, cores e aromas que perfumam as manhãs. Vamos revelando interações ecológicas intrigantes, que nos ajudam a entender o papel das espécies e como funciona a Natureza.



Plantas ruderais com insetos visitantes – (A, B e C) Inflorescência de Ageratum conizoides com abelha coletando néctar, Joaninha sobre folha e besourinho alimentando-se de pulgão; (D e E) Emilia sonchifolia com pequena borboleta obtendo néctar e frutos sendo dispersos pelo vento; (F) Inflorescência de Bidens pilosa com uma pequena vespa parasitóide de pulgão; (G) Borboleta (Lepidoptera) coletando néctar da flor de uma planta da família Lamiaceae; (H) B. pilosa com pequena mosca sobre inflorescência e pulgões na porção do ramo; (I) Fruto de uma planta da família Euphorbiaceae. (Fotos: Paleari, L.M.)


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Microscópio Eletrônico de Varredura: uma ferramenta arrojada



Sem a perspicácia do pesquisador nenhum instrumento, nenhuma ferramenta que lhe amplie a capacidade de percepção faz sentido. Mas, a serviço de um profissional curioso, arguto e competente, os avanços tecnológicos podem proporcionar novos e significativos conhecimentos.

Foi assim quando as lentes de aumento combinadas resultaram nos primeiros microscópios que permitiram saber que todos os seres vivos são formados por unidades que foram denominadas de células. Isto porque as células são tão pequenas, que para visualizá-las precisamos que sejam aumentadas em pelo menos 400 vezes. Bem, se elas são tão pequenas assim, o que dizer dos componentes que estão mergulhados no seu citoplasma e no seu núcleo?

Com o passar do tempo, as ferramentas também são aprimoradas. Aquele microscópio rústico que Robert Hooke utilizou para visualizar as ´celas` da cortiça, um tecido morto mas que já fora funcional, cedeu lugar a microscópios potentes e variados. Isso quer dizer que não apenas permitem que mergulhemos nosso olhar até a ultraestrutura dos corpos dos seres vivos, que chegam a ser ampliadas em até 200 mil vezes, como usam de diferentes meios e princípios para isso.

Nos nossos estudos, para podermos conhecer como são e como funcionam as diversas estruturas secretoras de Croton glandulosus, além do microscópio óptico (MO), um microscópio tem especial aplicação. Trata-se do microscópio eletrônico de varredura (MEV), que serve para observação de superfícies com aumento de até 100 mil vezes.


Microscópio Eletrônico de Varredura – à esquerda aspecto geral e à direita visto de lado e aberto, com material para ser observado sobre o cone.


Devido à maneira como essas imagens são criadas, elas tem aparência tridimensional. As diferenças básicas entre o microscópio óptico (ou de luz) e o eletrônico é que neste último não é utilizada a luz, mas sim feixes de elétrons, esses eletrons não atravessarão as estruturas biológicas, como acontece com a luz dos MO, e as estruturas da superfície poderão ser vistas com mais detalhes.


Inflorescência de Croton glandulosus - (A) fotografada no campo; (B) em laboratório sob uma lupa, quando já se pode ver estruturas secretoras alaranjadas no formato de garrafinhas e (C e D) ao microscópio eletrônico de varredura mostrando as mesmas estruturas secretoras (garrafinhas) com maior aumento e detalhes.


Como funciona o microscópio eletrônico de varredura (MEV)?

Para observações com o MEV não é necessário que se façam cortes finos do material, porque o que se vai observar é a superfície, seja de uma cerâmica, folha, flor, cabeça, olhos e antenas de insetos, grãos de pólen, metal etc. Além disso, não haverá luz atravessando o material, e, sim, um feixe de elétrons incidindo sobre ele.
A imagem em MEV poderá ser vista desde um aumento semelhante ao de uma lupa de mão, de 10 a 40 vezes, até 100.000 vezes. Mas, para isso, uma amostra biológica precisa ser primeiramente fixada, quer dizer, precisa ter as suas estruturas preservadas, o que se faz mergulhando-a em uma solução contendo glutaraldeído ou formaldeído. Depois ela será desidratada para retirada total da água existente no seu interior. Finalmente, será coberta com uma finíssima camada de metal (ouro, ouro/paládio, platina, tungstênio etc) ou grafite.


Folhas de Croton glandulosus que passaram pelos processos de fixação, desidratação e metalização; estão prontas para serem observadas e fotografadas.


Este processo é conhecido por metalização e servirá para que a amostra biológica interaja com elétrons que são disparados por uma fonte especial e usados para varrer sua superfície. Quando isto acontece, elétrons secundários serão desviados desse material biológico metalizado e capturados em um coletor. Em seguida o sinal será amplificado e transformado em pontos de maior ou menor luminosidade nas tela de um monitor acoplado ao microscópio. Essa imagem que se forma tem aspecto tridimensional e poderá ser gravada.
Não é fantástico o que pode nos revelar com uma ferramenta como essa? No entanto, construir o conhecimento científico a partir dessas imagens requer muito mais do que o olhar, requer, além de uma bagagem de conhecimentos básicos já acumulados pela humanidade, a capacidade de pensar, um pensar aguçado, articulado, que contemple e vá para além do óbvio.


Lucia Maria Paleari
Silvia Rodrigues Machado



Mais informações sobre microscopia eletrônica em:
Instituto Biológico