Inúmeras são as estruturas secretoras de Croton glandulosus localizadas em
diversas partes do vegetal. Nos nossos trabalhos de campo, verificamos quem são
os visitantes que se alimentam nessas estruturas secretoras. No laboratório,
estudamos como se organizam as células e os tipos de substâncias que cada tipo
de estrutura produz. Algumas delas, denominadas de nectários, produzem principalmente açucares dissolvidos em água, o néctar, que é liberado para o exterior.
Muitas plantas produzem néctar e com ele atraem diversos
animais, principalmente pássaros e insetos, que obtêm energia do açúcar
ingerido. Em
Croton glandulosus, o
néctar serve de alimento a algumas pequenas aranhas e rica
entomofauna, composta de diversas espécies e famílias de insetos. Os
5 nectários localizados da base das flores masculinas e os dois localizados no
ápice dos pecíolos (ver imagem a seguir) são os mais procurados por essas
espécies.
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Flor masculina de Croton
glandulosus com 3 nectários evidentes entre os estames (à esquerda) e 2 nectários
no ápice do pecíolo, com gotas de néctar (à direita).
Foto: L.M.Paleari
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Uma análise química conduzida pelo Dr. Gerhard Gottsberger,
que conosco colaborou, revelou que o néctar do C. glandulosus possui 3 tipos de açucares: a frutose, a sacarose e
a glicose.
Mas, qual a função do
néctar produzido pelas plantas?
Acredita-se que o néctar disponibilizado pela planta tenha a
função de atrair polinizadores, que favorecem a formação de frutos e sementes,
bem como atrair formigas e outros insetos, inimigos naturais de herbívoros, que
a protegerão de ataques. Evitar a destruição de folhas, que são as responsáveis
pela realização da fotossíntese, assegurará
a produção do alimento que a planta necessita; evitar predadores de sementes,
aumentará as chances da planta se perpetuar. Muitas observações levaram a essas
ideias. Um exemplo é o da formiga que ataca o besourinho, Apion sp., que consome folhas de Croton glandulosus. Na foto a seguir, pode-se ver a formiga segurando
uma das pernas do apionídeo com as mandíbulas. Depois de longo embate, que eu
acompanhei no campo, a formiga lançou-o para fora da planta.
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Formiga sobre Croton
glandulosus, com a cabeça voltada para baixo, segurando uma das pernas do besourinho Apion sp.
Foto:L.M.Paleari
Além de observações como essa, experimentos científicos com diversas
espécies de plantas, permitiram testar e comprovar tal hipótese. Mesmo assim, já
sabemos que a situação não é tão simples. A vida é criativa, como acreditava uma
importante cientista –
Lynn Margulis – e,
por isso, as espécies são capazes de coevoluir, mudar umas em relação às outras
e ao ambiente, construindo novos laços e novos nichos que as favorecerão. Dessa
forma, a relação entre os seres vivos deixa de ser tão simples, como sugere a
ideia de formigas protegendo plantas que lhes fornecem alimento ou abrigo. As
relações são bem mais complexas.
Veja, por exemplo, a lagarta da família Lycaenidae, na imagem
a seguir. Ela se farta comendo frutos e sementes de C. glandulosus (fruto oco na foto da direita). Se o seu ataque for
intenso, é claro que a planta, cujo ciclo é anual, não terá sementes em grande
quantidade para dispersar e garantir o surgimento de plantas-filhas na próxima
estação. Portanto, seria interessante se as formigas, que buscam o néctar e
patrulham a planta, livrassem o vegetal dessas lagartas. Mas, olhe e preste
atenção na foto da esquerda.
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Parece que a formiga localizada no dorso da lagarta a está
importunando?
Pois não está mesmo.
E sabe por quê?
Porque essa lagarta tem uma glândula na região dorsal, que,
à semelhança da planta, produz uma substância açucarada que é utilizada pela
formiga.
Portanto, se a formiga protege a planta que lhe oferece
néctar, não seria de esperar que ela
fizesse o mesmo com a lagarta? Mas,
se ela fizer isso, como ficará a proteção à planta?
Outro exemplo dessa complexa rede da vida, em Croton glandulosus, é o dos pulgões
sugadores da planta, que oferecem substância açucarada para formigas (honeydew, em inglês), quando elas os
estimulam com as antenas. Caminhando por toda a planta em busca desse alimento,
as formigas afugentam inimigos naturais dos pulgões, que acabam protegidos por
elas. No entanto, essa proteção não é completa. Joaninhas podem pousar na
planta e se alimentar de pulgões, ou podem depositar ovos, dos quais eclodirão
lagartas que também apreciam pulgões.
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Joaninha
adulta consumindo um pulgão em ramo de Croton
glandulosus
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Agora veja o flagrante registrado na foto a seguir, revelador
de mais uma situação importante.
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Díptero da
família Asilidae, consumindo o conteúdo da cabeça de uma formiga capturada em Croton glandulosus.
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O que aconteceria se por alguma razão, muitas joaninhas
pousassem e se estabelecessem na planta? Ou se nenhum ovo de Lycaenidae fosse
deixado nela? E se houvesse muitos asilídeos predando grande quantidade de
formigas?
A depender de condições particulares em que essas relações
acontecem, favorecendo mais a algumas espécies do que a outras, toda teia de
interações tenderá a ganhar uma forma especial, que poderá mudar em outra
ocasião. Dizemos, nesses casos, que o padrão da teia mudou, tendeu a um outro
formato.
Entender como acontecem e no que resultam essas inúmeras
interações entre os seres vivos é um grande desafio, que motiva ecólogos do
mundo todo.
O doce sabor da vida!
No ano de 2008, como professora de uma turma de alunos do
curso de Licenciatura da Unesp de Botucatu, propus a eles que organizassem um
evento, com trabalhos produzidos por eles, para divulgar uma parte dos
conhecimentos sobre o
Croton glandulosus
e suas interações. Esse
evento,
denominado de Experimentando Ciência “O doce
sabor da vida” reuniu em torno de 2 mil pessoas.
Em meio aos
aparatos produzidos, houve aqueles que serviram
para demonstrar: a dispersão de sementes e pólen; olhos compostos e mecanismo
de visão dos insetos; cabeças com estruturas bucais ampliadas dos diversos
grupos de insetos que consomem o néctar do
C.
glandulosus; processo de produção de mel pela abelhinha sem ferrão,
conhecida por Jataí etc.
Naquele ano, as pesquisas com o
Croton glandulosus estavam
apenas no início, mas a quantidade de espécies de insetos que registramos
visitando os nectários já nos impressionava. Embora as pessoas em geral se
refiram a essa planta de forma depreciativa como
“mato”,
ela é uma planta anual, de estrutura delicada e pequeno porte, capaz de atrair
e alimentar uma quantidade inacreditável de insetos e algumas aranhas. Hoje, 5
anos após o “O doce sabor da vida”, ela continua a nos surpreender com muitas
novidades que tornam a teia alimentar, mantida pelos seus minúsculos nectários,
mais ampla e intrincada.
A beleza das formas, das combinações de cores, dos
comportamentos entre os seres vivos, revela-se ainda mais indescritível por
meio das lentes da máquina fotográfica e microscópios. Parte desse mundo
fascinante apresentarei nos próximos posts
deste blog, por meio de fotografias.
Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br