sábado, 24 de agosto de 2013

Nectários, Néctar e Teias Alimentares
Croton glandulosus
Por Lucia Maria Paleari




Inúmeras são as estruturas secretoras de Croton glandulosus localizadas em diversas partes do vegetal. Nos nossos trabalhos de campo, verificamos quem são os visitantes que se alimentam nessas estruturas secretoras. No laboratório, estudamos como se organizam as células e os tipos de substâncias que cada tipo de estrutura produz. Algumas delas, denominadas de nectários, produzem principalmente açucares dissolvidos em água, o néctar, que é liberado para o exterior.

Muitas plantas produzem néctar e com ele atraem diversos animais, principalmente pássaros e insetos, que obtêm energia do açúcar ingerido. Em Croton glandulosus, o néctar serve de alimento a algumas pequenas aranhas e rica entomofauna, composta de diversas espécies e famílias de insetos. Os 5 nectários localizados da base das flores masculinas e os dois localizados no ápice dos pecíolos (ver imagem a seguir) são os mais procurados por essas espécies.


Flor masculina de Croton glandulosus com 3 nectários evidentes entre os estames (à esquerda) e 2 nectários no ápice do pecíolo, com gotas de néctar (à direita). 
Foto: L.M.Paleari

Uma análise química conduzida pelo Dr. Gerhard Gottsberger, que conosco colaborou, revelou que o néctar do C. glandulosus possui 3 tipos de açucares: a frutose, a sacarose e a glicose.




Mas, qual a função do néctar produzido pelas plantas?

Acredita-se que o néctar disponibilizado pela planta tenha a função de atrair polinizadores, que favorecem a formação de frutos e sementes, bem como atrair formigas e outros insetos, inimigos naturais de herbívoros, que a protegerão de ataques. Evitar a destruição de folhas, que são as responsáveis pela realização da fotossíntese, assegurará a produção do alimento que a planta necessita; evitar predadores de sementes, aumentará as chances da planta se perpetuar. Muitas observações levaram a essas ideias. Um exemplo é o da formiga que ataca o besourinho, Apion sp., que consome folhas de Croton glandulosus. Na foto a seguir, pode-se ver a formiga segurando uma das pernas do apionídeo com as mandíbulas. Depois de longo embate, que eu acompanhei no campo, a formiga lançou-o para fora da planta. 


Formiga sobre Croton glandulosus, com a cabeça voltada para baixo, segurando uma das pernas do  besourinho Apion sp. 
Foto:L.M.Paleari


Além de observações como essa, experimentos científicos com diversas espécies de plantas, permitiram testar e comprovar tal hipótese. Mesmo assim, já sabemos que a situação não é tão simples. A vida é criativa, como acreditava uma importante cientista Lynn Margulis e, por isso, as espécies são capazes de coevoluir, mudar umas em relação às outras e ao ambiente, construindo novos laços e novos nichos que as favorecerão. Dessa forma, a relação entre os seres vivos deixa de ser tão simples, como sugere a ideia de formigas protegendo plantas que lhes fornecem alimento ou abrigo. As relações são bem mais complexas.

Veja, por exemplo, a lagarta da família Lycaenidae, na imagem a seguir. Ela se farta comendo frutos e sementes de C. glandulosus (fruto oco na foto da direita). Se o seu ataque for intenso, é claro que a planta, cujo ciclo é anual, não terá sementes em grande quantidade para dispersar e garantir o surgimento de plantas-filhas na próxima estação. Portanto, seria interessante se as formigas, que buscam o néctar e patrulham a planta, livrassem o vegetal dessas lagartas. Mas, olhe e preste atenção na foto da esquerda.  



Parece que a formiga localizada no dorso da lagarta a está importunando?
Pois não está mesmo.
E sabe por quê?
Porque essa lagarta tem uma glândula na região dorsal, que, à semelhança da planta, produz uma substância açucarada que é utilizada pela formiga.

Portanto, se a formiga protege a planta que lhe oferece néctar, não seria de esperar que ela  fizesse o mesmo com a lagarta?  Mas, se ela fizer isso, como ficará a proteção à planta?

Outro exemplo dessa complexa rede da vida, em Croton glandulosus, é o dos pulgões sugadores da planta, que oferecem substância açucarada para formigas (honeydew, em inglês), quando elas os estimulam com as antenas. Caminhando por toda a planta em busca desse alimento, as formigas afugentam inimigos naturais dos pulgões, que acabam protegidos por elas. No entanto, essa proteção não é completa. Joaninhas podem pousar na planta e se alimentar de pulgões, ou podem depositar ovos, dos quais eclodirão lagartas que também apreciam pulgões.


Joaninha adulta consumindo um pulgão em ramo de Croton glandulosus

Agora veja o flagrante registrado na foto a seguir, revelador de mais uma situação importante.


Díptero da família Asilidae, consumindo o conteúdo da cabeça de uma formiga capturada em Croton glandulosus.

O que aconteceria se por alguma razão, muitas joaninhas pousassem e se estabelecessem na planta? Ou se nenhum ovo de Lycaenidae fosse deixado nela? E se houvesse muitos asilídeos predando grande quantidade de formigas?

A depender de condições particulares em que essas relações acontecem, favorecendo mais a algumas espécies do que a outras, toda teia de interações tenderá a ganhar uma forma especial, que poderá mudar em outra ocasião. Dizemos, nesses casos, que o padrão da teia mudou, tendeu a um outro formato.

Entender como acontecem e no que resultam essas inúmeras interações entre os seres vivos é um grande desafio, que motiva ecólogos do mundo todo.



O doce sabor da vida!

No ano de 2008, como professora de uma turma de alunos do curso de Licenciatura da Unesp de Botucatu, propus a eles que organizassem um evento, com trabalhos produzidos por eles, para divulgar uma parte dos conhecimentos sobre o Croton glandulosus e suas interações. Esse evento,
denominado de Experimentando Ciência “O doce sabor da vida” reuniu em torno de 2 mil pessoas.

Em meio aos aparatos produzidos, houve aqueles que serviram para demonstrar: a dispersão de sementes e pólen; olhos compostos e mecanismo de visão dos insetos; cabeças com estruturas bucais ampliadas dos diversos grupos de insetos que consomem o néctar do C. glandulosus; processo de produção de mel pela abelhinha sem ferrão, conhecida por Jataí etc.

Naquele ano, as pesquisas com o Croton glandulosus estavam apenas no início, mas a quantidade de espécies de insetos que registramos visitando os nectários já nos impressionava. Embora as pessoas em geral se refiram a essa planta de forma depreciativa como “mato, ela é uma planta anual, de estrutura delicada e pequeno porte, capaz de atrair e alimentar uma quantidade inacreditável de insetos e algumas aranhas. Hoje, 5 anos após o “O doce sabor da vida”, ela continua a nos surpreender com muitas novidades que tornam a teia alimentar, mantida pelos seus minúsculos nectários, mais ampla e intrincada.

A beleza das formas, das combinações de cores, dos comportamentos entre os seres vivos, revela-se ainda mais indescritível por meio das lentes da máquina fotográfica e microscópios. Parte desse mundo fascinante apresentarei nos próximos posts deste blog, por meio de fotografias.

Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br